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Uma geléia geral a partir do cinema

Meteoro

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Fui assistir ontem à noite a Meteoro, na pré-estréia para convidados da Reserva Cultural. Queria conhecer a atriz Daisy Granados, jurada no festival de cinema íbero-americano do Rio, o CineSul, que veio acompanhando o diretor Alex de La Texera. O filme é um caos, mas, ao mesmo tempo que achei horroroso, esteticamente - uma miscelânia de ideologia com sacanagem -, gostei de ter visto Meteoro porque resgata outro episódio absolutamente desconhecido - por mim e acredito que por vocês - da história recente do Brasil. Aliás, é curioso como conhecemos pouco episódios que são muito ricos da nossa história. Caparaó, o belo documentário de Flávio Frederico, ainda está em cartaz e é outro resgate importante. Meteoro começa em plena era JK, quando um grupo de amigos, engenheiros e quetais, embarcou no sonho do presidente que queria fazer o País crescer 50 anos em cinco. Foram-se para o sertão, para construir estradas, rasgando o Brasil. Jango já governava quando o grupo, perdido onde o diabo perdeu as botas, ficou preso neste lugar onde ocorrem chuvas de meteoros. Ocorre o golpe e eles ficam lá isolados. Um bando de homens visitados por uma caravana de prostitutas. Elas também são forçadas a ficar. Apaixonam-se, elas viram mulheres de um homem só. Constituem famílias. A prostituição e a propriedade privada são abolidas. Meteoro, como a comunidade passa a se chamar, vira uma espécie de Colônia Cecília, uma utopia. Na apresentação, o diretor disse que a história é real, mas o final não foi exatamente aquele. Não sei, porque ainda não falei com ele, em que momento a realidade vira ficção, mas entram em cena os militares, já em plena ditadura, para acabar com a utopia. Não os militares, realmente, mas o civil, um torturador treinado pela CIA, que comanda a missão, à qual o militar está subordinado. O coronel, acho que é a patente dele, é decente. De alguma forma, participa daquela utopia. É o segundo filme recente que foge um pouco do enfoque sobre a questão militar, em filmes sobre a guerrilha. Ninguém é ingênuo de acreditar que o regime militar não foi brutal. Praticou uma política de extermínio na repressão à guerrilha. Serviu a interesses internacionais, tudo é verdade - e Helvécio Ratton faz um retrato duro dessa barbárie em Batismo de Sangue -, mas o oficial é decente em Meteoro e se posiciona contra os marionetes de Washington, da mesma forma que, em 1972, de Ana Maria Bahiana e José Emílio Rondeau, o militar também desempenha uma função paternalista em relação ao garoto. Achei aquilo muito estranho quando vi o filme no Festival do Rio, no ano passado, mas um ou dois dias depois, Helena Ignez, subindo ao palco do Cine Odeon para apresentar o curta sobre Sganzerla e os filmes da produtora Bel-Air, que Bressane e ele haviam criado por volta de 1970, agradeceu ao general que os ajudou no processo que culminou no exílio, em Londres. Sem a ajuda desse general, talvez não tivessem sobrevivido, ela disse. Fico pensando. Até que ponto essa reintegração dos militares que não fizeram o jogo do poder, que não se beneficiaram da repressão e amavam sinceramente o Brasil, tal como aparece nestes filmes, é uma coisa interessante ou é simplesmente mais uma tentativa de jogar para baixo do tapete problemas que ainda foram completamente resolvidos. O recuo histórico já permite que se trate do assunto sem maniqueísmo e os próprios militares possam ser, senão reabilitados, analisados em suas contradições. Evaldo Mocarzel, é bom acrescentar, já filmou (e ainda está montando, até onde sei) um documentário que será pioneiro na abordagem da questão militar. Como assunto, pode ser espinhoso, mas é necessário. Outro dia, ouvi o general Cerqueira, que caçou Lamarca, protestando contra a concessão de pensão à viúva 'daquele traidor', como se referiu a ele. Apesar da anistia, existem pendências. Antes da projeção de ontem à noite, o diretor invocou os mortos que cada filme carrega. De La Texera dedicou a sessão a Carlos Marighella, que morreu ali pertinho da Paulista, onde fica a Reserva Cultural. Utopia, repressão, militares do bem, um Brasil em movimento (no fim), ainda tentando realizar seu sonho. Não sei se Meteoro vai provocar polêmica ou simplesmente ser descartado como mau cinema, mas fiquei curioso de saber o que, naquela história, afinal de contas, é mesmo real.

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