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Uma geléia geral a partir do cinema

Martírio e a (nova?) barbárie

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Quinta-feira, 6, 23h30. Antes que eu termine esse post já será sexta, 7. Fui rever ontem Martírio, na sessão de imprensa. O filme entra dia 13. Reconheço a importância do documentário de Vincent Carelli, mas não sou um grande admirador. Era jurado em Brasília, não podia participar dos debates. Maria do Rosário Caetano estava na mesa. Elogiou, lembro-me direitinho, a montagem sofisticada do filme. Lá vou eu fazer inimigos - não, a Rô já me conhece. Sofisticação, aonde? Tão querendo me zoar? Tudo o que Martírio tem de bom liga-se ao tema. Uma grande reportagem. O filme não tem um momento que você possa dizer, esteticamente - Uau! É tudo informativo, factual. A bancada ruralista da Câmara, os defensores do agronegócio. Aquele cara do Rio Grande - para usar um ditado local, grosso barbaridade -, não vale a merda que caga. A senadora! Essa é campeã. Queria muito que houvesse inferno, para que ela, que deve se achar uma mulher decente mas é, como se diz na ficção da Disney, 'do mal', ardesse pela eternidade. O apresentador do rodeio de Dourados, a piada pronta. Homens que gostam de mulheres, mulheres que gostam de homens... Acho o filme longo, reiterativo, mas tem coisas muito interessantes. Impressionantes. O ex-procurador da República Aristides Junqueira, lamentando que um boi nelore valha mais que não sei quantas crianças, não sei quantos índios. Fui pesquisar. Aristides está vivo, advoga. O que pensará de seu sucessor, do Brasil atual? E o filme mexeu comigo. Senti muito, de verdade, a morte de Andrea Tonacci. Era um gentleman. Adoro seus filmes marginais, mas Serras da Desordem não consegui engolir nem no necrológio. Desculpe, Cristina. O índio fala naquela cena-chave. O que diz? Os defensores incondicionais do filme dizem que o que importa é o autor. A dificuldade de se fazer ouvir é de Tonacci. Faz sentido, mas eu, Luiz Carlos Merten, gostaria de saber o que Carapiru está dizendo. Vincent Carelli começa Martírio com imagens antigas de uma assembléia de índios caiowás. Percebemos que há indignação no que estão dizendo, mas só 25 anos mais tarde aquelas falas foram traduzidas. Os próprios índios manifestam sua indignação, não precisam de intermediário. Para os outros pode não significar nada. Eu agradeci interiormente e agora agradeço publicamente a Carelli. Faz todo sentido para mim. Significa muito. Não gostei mais de Martírio, mas gostei de rever o filme, por mais que me tenha exaurido. A senadora defende que se leve de vez a demarcação dos territórios indígenas para o Congresso para que os 'homens de bem' acabem logo com isso. Nesta semana, Jair Bolsonaro foi à Hebraica e disse que, numa eventual presidência dele, índios e quilombolas não vão ganhar um centímetro de terra. Bolsonaro radicaliza seu discurso porque o Brasil - o mundo - está cheio de gente que quer ouvir esse tipo de estupidez. Nos EUA, já elegeram Donald Trump. No Brasil, pedem a volta dos militares. É de cortar os pulsos. Não corto o meu. Há, isso sim, que resistir a essa nova barbárie.

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