Foto do(a) blog

Uma geléia geral a partir do cinema

Marie Antoinette

PUBLICIDADE

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

MONTEVIDEU - Cah estou eu de novo na capital uruguaia. Fui ontem a Buenos Aires porque queria ver o show de tango do Viejo Armacen. Acho que tem um componente brega muito forte - tango para turistas, servido com ceia -, mas os musicos e, principalmente, os dancarinos sao tao maravilhosos que me encantam. O tango comecou como uma danca de homens e terminou virando a representacao dancada do sexo entre o homem e a mulher. Hah nele alguma coisa que me arrebata. E o show tem o momento latino-americano, com aquele grupo que toca bombo e quena. Carnavalito, El Condor Pasa - falemos de musica, jah que de cinema a coisa eh mais dificil. Buenos Aires foi a outra cidade, apos Montevideu, na qual fiz a minha formacao cinematografica, pela propria proximidade de Porto Alegre, onde nasci, destas duas grandes capitais. Hoje, nao eh sombra do que era. O cinema argentino pode ser muito interessante, e eh, mas Buenos Aires hoje se entregou ao circuito hollywoodiano. Diamante de Sangue, Os Infiltrados, El Descanso, que eh como se chama lah a comedia com Cameron Diaz e Kate Winslet em cartaz em Sao Paulo (O Amor nao Tira Ferias). Nao importa onde voce esteja hoje, os filmes sao sempre os mesmos. Hah um soh cinema hegemonico e eh o de Hollywood. Voltei a Montevideu - amanha regresso a Sao Paulo e depois saio mais uma semana, acho que a partir de terca - e aqui tive a boa surpresa de jah encontrar em cartaz Maria Antonieta, de Sofia Coppola. Estava louco para rever o filme, com o qual tenho uma relacao conflitante. Acho a Sofia muito talentosa e, na verdade, gosto dela desde que foi massacrada pelos criticos, como atriz, em O Poderoso Chefao 3. A atriz devia ser Winona Ryder que, nao sei por que motivo, nao pode fazer o papel e o Coppola colocou a filha dele. Talvez ela nao fosse realmente uma atriz, mas, como pai, achei doloroso ver um grande artista colocar a filha dele no papel de uma filha que vai ser sacrificada. Disse isso a Sofia, numa entrevista que fiz com ela - que a morte dela no Chefao 3 eh uma coisa que me despedaca - e ela me observou, How nice to say, acrescentando que, de qualquer maneira, nao eh uma atriz, mas gosta muito de trabalhar com atrizes. Maria Antonieta, ou Marie Antoinette, eh Lost in Translation 2, Encontros e Desencontros na corte francesa, em Versalhes, onde Kirsten Dunst, como a rainha adolescente, vive entre dois mundos. Hah criticos que acham que Sofia fez o filme para se purgar da propria realeza, pois, afinal, eh filha de Coppola, um rei de Hollywood. O cerimonial da entrada da delfina em Versalhes eh puro Visconti. Tem aquela tensao inicial de Ludwig e, no final, tambem narra a historia de um fracasso. Mas Visconti talvez nao seja nem uma influencia, soh uma referencia possivel para o publico, como o Hitchcock de Marnie. O rei adora fabricar chaves, mas nao usa a do sexo para consumar o matrimonio e liberar sua mulher. Sofia Coppola carrega nos simbolos falicos e sexuais para contar a historia desse casamento disfuncional, mas eh tudo muito refinado, Nenhuma vulgaridade. E ela retoma a estrutura tenue, delicada de As Virgens Suicidas e Encontros e Desencontros. Seu filme vai contra a imagem negativa da 'austriaca', como era chamada a rainha. Sofia conta tudo, mas Marie Antoinette nao eh um filme narrativo. Parece um bibeloh, pois a diretora prefere criar climas, que narram, ou contam, mais que os fatos, em si. E a musica eh decisiva, a trilha de rock contemporaneo, The Cure, acrescida de trechos de operas e musica de epoca. No total, acho que Sofia poderia e ateh deveria ser mais dura com sua personagem, menos por ela do que pela epoca que representa, mas o filme me impressionou muito mais do que da primeira vez que o vi, em Cannes, no ano passado. Acho que Marie Antoinette eh aquilo que Gus Van Sant gostaria de ter feito com The Last Days, sua evocacao ficticia dos ultimos dias de Kurt Cobain. Nao gosto de The Last Days, ainda fico com o peh atras com Marie Antoinette, mas, nao sei, acho que este eh um filme do qual ainda vou terminar gostando muito. Nao eh uma coisa para adesao imediata. Eh obra que fica trabalhando no inconsciente da gente. Eh tao pensado, tao reflexivo e, ao mesmo tempo, tao bonito que transforma a frivolidade da corte em outra coisa. Marie Antoinette morre, o que nao vemos, como uma mae coragem. Vai ser preciso falar muito sobre Marie Antoinette quando o filme, finalmente, estrear no Brasil, acho que em fevereiro, se a Sony nao mudar a data.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.