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Uma geléia geral a partir do cinema

Mais japoneses

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

No post anterior, atendendo ao pedido do Régis, omiti conscientemente Naruse, um pouco porque o post estava ficando muito longo, mas também porque queria partir de Naruse para chegar a Gosho. Talvez ele não seja, mas na minha cabeça Naruse é o Douglas Sirk do cinema japonês. Como os refinados melodramas de Sirk na empresa Universal, nos anos 50, que expressam os problemas da família (e da sociedade) americana com uma densidade superior à de muitos filmes com fama de contestadores, os de Naruse também investigam a família, a partir da mulher. Para falar do artista Naruse é necessário falar do homem. Tudo foi difícil para ele. A infância miserável, a infelicidade no casamento, o começo complicado no cinema, tudo isso consolidou nele uma visão desiludida e pessimista. A mulher é a grande sofredora em seu cinema, condenada à prostituição em Quando a Mulher Sobe a Escada, oprimida pelo egoismo do marido em História de Mulher. Um de seus últimos filmes, A Face Oculta da Mulher, trata justamente do feminino numa sociedade machista, onde a mulher se anula e usa uma máscara para esconder seus sentimentos. É terrível e é triste, emocionante. Naruse é intimista como Heinosuké Gosho, um filho de geixa que teria crescido marginalizado numa sociedade estratificada em classes, se o pai não o tivesse reconhecido. Este pai, além de tudo, era apaixonado por teatro e apoiou o desejo do filho de se tornar artista. Ele ficou tão importante que seu nome originou uma tendência, o goshoismo, um cinema que funde riso e lágrimas (o que Naruse também perseguia). Gosho fez o primeiro filme falado no Japão (Madame e Seu Marido) e fez dois filmes que na minha lembrança são geniais - Lá de Onde Se Vêem as Chaminés e O Corvo Amarelo, com magistral uso da cor, sobre garoto em crise e que expressa a disfuncionalidade de sua família fazendo esses desenhos de corvos amarelos que rondam sua casa. Não tem a menor base, o menor fundamento o que vou escrever, mas sempre achei que Valerio Zurlini viu O Corvo Amarelo antes de realizar Dois Destinos (Cronaca Familiare). Aquela maneira de usar a cor para expressar os sentimentos é uma coisa japonesa, um goshoismo. Há dois anos participei do concurso de roteiros da Petrobrás. Selecionamos roteiros que já foram filmados e resultaram em bons filmes. Outros que ainda estão em produção. E há um que, sinceramente, não sei a quantas anda. Marcos Bernstein, roteirista de Central do Brasil e diretor de Do Outro Lado da Rua, inscreveu Meu Pé de Laranja Lima, baseado no romance de José Mauro de Vasconcelos, que já havia sido filmado por Aurélio Teixeira por volta de 1970. Era um roteiro tão bem escrito (o de Marcos) e com uma abordagem tão densa dos problemas da infância sofredora que eu revi, ali, O Corvo Amarelo que tanto me marcou, há 40 me tantos anos.

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