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Uma geléia geral a partir do cinema

Dominguinhos!

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Havia tentado duas ou três vezes assistir a Dominguinhos, mas sempre trombava com os horários esdrúxulos do documentário de Joaquim Castro, Eduardo Nazarian e Mariana Aydar sobre José Domingos de Morais, o lendário sanfoneiro, ou então com o fato de que os guias do Estado, sorry, e da Folha davam a hora errada. Ontem, finalmente, consegui desencantar o Dominguinhos. Fomos, Dib Carneiro e eu. Encontramos Chico Teixeira, que também via o filme e me deu informações sobre o novo filme, que está finalizando, com Irandhyr Santos. Fiquei nos cascos por esse próximo filme do diretor de Casa de Alice, com a magnífica Carla Ribas, e juá o imagino na próxima Premiére Brasil, do Festival do Rio. Mas o assunto é o Dominguinhos. Depois de Tarja Branca, assisti a outro belíssimo documentário. Dib ficou meio exasperado com o0 começo, com as tessituras daquelas imagens do sertão. Eu entrei logo no clima, porque Garanhuns e o sertão forneceram a Dominguinhos suas raizes e esculpiram o grande artista em que ele se transformou. O filme não é só a história desse cara tão especial. É uma viagem pela música brasileira de raiz, contando também a história de um instrumento - a sanfona  e das parcerias que ajudaram a fazer a grandeza do artista. Tenho pensado muito num disco para mim antológico - aquele em que Nara Leão canta Roberto Carlos, E Que Tudo o Mais Vá para o Inferno. O disco sumiu, não tem em CD. Imagino que seja pela interdição, por Roberto, da canção-título, que ele rejeita depois que virou carola. De minha parte, se é para rejeitar, levaria mais a sério se ele calculasse o que E Que Tudo o Mais Vá Para o Inferno representou como base de sua fortuna, faça as contas, corrija com juros, e tire essa fatia considerável de sua fortuna, dando para caridade ou colocando no lixo (o problema é dele). Se o disco sumiu por causa disso sugiro que seja tombado pelo patrimônio histórico, porque é um patrimônio da cultura brasileira. Falo isso porque, no filme, que reúne admirável material de arquivo, Dominguinhos se apresenta com grandes artistas, mas um momento que me encantou foi quando ele acompanha Nara, que canta João e Maria. A sanfona é um instrumento tão arretado no forró, no baião e ali é de um intimismo, uma delicadeza exemplares. Dominguinhos e Luiz Gonzaga, Dominguinhos e Hermeto Paschoal, Dominguinhos com acompanhamento sinfônico. Fiquei em êxtase. E confesso que fiz viagens muito pessoais. Quando fiz com ele o livro da coleção Aplauso, Carlos Coimbra me contou como foi a descoberta da cultura e da paisagem nordestinas, quando conseguiu fazer suas aventuras de cangaço em loco. Aquelas imagens austeras em preto e branco me trouxeram o technicolor do Coimbra, a quem entrevistei em seu pequeno apartamento da Av. 9 de Julho. O diretor de alguns dos maiores sucessos de bilheteria do cinema brasileiro era um sujeito solitário9, que vivia modestamente. Dominguinhos fala da solidão do artista e eu lá, me lembrando do Coimbra. Mas me lembrei, pelos sons que ele tirava da sanfona, do bandoneón de Astor Piazzolla. Vi um filme do qual gostei muito, e fiz outro na minha cabeça. Mariana Aydar, sei que é cantora. Eduardo Nazarian, busquei na internet e descobri que é compositor e produtor musical. Joaquim Castro, engenheiro de som, cameraman, montador, me parece o mais 'cinemático' do trio. O importante é que fizeram um belo trabalho. Um músico tem de falar por sua música e eles, mesmo usando a entrevista de Dominguinhos como espinha dorsal, acreditam nisso. Amei. Vi na minúscula sala 5 do Augusta e, na saída, quase meia-noite, a cidade estava explodindo. A sensação de estar vivo, e conectado com o mundo, era inebriante.

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