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Uma geléia geral a partir do cinema

'Dois Destinos'

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Éramos poucos - 11 pessoas - na sessão cinéfila de hoje do Espaço Unibanco. Alguns conhecidos - Antônio Gonçalves Filho, Camila Molina, Paschoal da Conceição. No final, nos reunimos para um café, todo mundo sem fala por causa da crônica familiar de Valerio Zurlini. O filme 'Cronaca Familiare' - no Brasil, 'Dois Destinos' - é uma adaptação do romance de Vasco Pratolini, de 1945. Hoje pela manhã, antes de sair de casa, resolvi 'pesquisar'. Tenho dois livros sobre Zurlini, ambos comprados no exterior. Nunca havia folheado um deles, e foi o que escolhi. É uma edição bilíngüe - italiano e inglês - da Regione Emilia Romagna, com uma série de ensaios sobre o autor. São precedidos por uma entrevista que ele deu ao crítico francês Jean Gili. É enorme (a entrevista), mas um dia faço o sacrifício e traduzo para compartilhar com vocês. Zurlini conta que 'Cronaca Familiare' deveria ter sido seu primeiro filme, mas ele terminou estreando no longa com outra adaptação de Pratolini, 'Le Ragazze di San Freddiano' (Quando o Amor é Mentira), em 1954. Desde que começou a pensar em 'Cronaca', Zurlini sabia que teria de filmar em cores, mas ele próprio diz que valeu a pena para esperar até 1962. Naquela época, o cinema italiano não estava preparado para o tipo de cor que ele queria usar e cobrou do fotógrafo Giuseppe Rotunno. O filme trata desses dois irmãos que seguem trajetórias (e destinos) diversos. Mastroianni faz Enrico, que parece que está morrendo (de tuberculose), mas consegue dar a volta por cima, tendo resistência para sobreviver. Jacques Perrin é o outro, Dino, criado fora da família e fragilizado pelo tipo de família 'artificial' à qual foi integrado (mas não muito). Zurlini explica a Gili que o livro lhe dava a impressão de não situar muito bem a origem da divisão - oposição? - entre os irmãos, como se faltassem páginas. Ele pediu e Pratolini escreveu as páginas que faltavam. Zurlini também explica que sempre se sentiu 'tolstoiniano' - o regional e o universal devem tocar-se e o público e o privado se situam e explicam em períodos históricos bem delineados. Foi assim em 'Verão Violento', o verdadeiro início de sua carreira, com Eleonora Rossi Drago e Jean-Louis Trintignant, em 1958/59. Em 'Cronaca Familiare', ele diz que gostaria de ter quebrado o próprio conceito. Zurlini respeitou o livro, que se desenvolve no período entre 1918 e 45, fornecendo referências sobre a Itália da época. O que ele queria era ter suprimido tudo para fazer um filme 'puro' sobre sentimentos. Sem nenhum quadro histórico por detrás. Talvez não tivesse saido tão bom. Foi a primeira vez que Camila e Paschoal assaistiram ao filme - eu já perdi a conta, o Toninho (Antônio Gonçalves Filho), também. 'Dois Destinos' nunca me pareceu tão rigoroso nem tão belo nem tão triste. As cenas com a avó são dilacerantes - e eu não conheci nenhuma de minhas duas avós - e pelo menos dois momentos bateram no meu imaginário como pontes para 'Rocco e Seus Irmãos', de Luchino Visconti. O padrasto falando do seu sacrifício para educar Jacques Perrin - existem frases ali que são as mesmas que Roger Hanin usa em 'Rocco', quando vai cobrar de Delon o dinheiro que Simone lhe tomou, explorando, como ele diz, 'sua debolezza' (o homossexualismo). A outra é o desespero de Dino no hospital, quando acha que vai morrer. 'Non voglio morrire' e ele grita e se bate como Nadia, no derradeiro confronto com Simone. Não digo que tenham realmente a ver - é mais a minha experiência pessoal, o meu imaginário. Sempre disse, com convicção, mas também como provocação, que Annie Girardot, como Nadia, oferece a melhor interpretação feminina da história do cinema (e sei que muita gente não concorda - discuti certa vez com James Ivory - porque ela é dublada). Hoje, saí do Unibanco convencido de que a interpretação de Marcello Mastroianni é a maior de um ator, em toda a história do cinema. Exagero? Pode até ser, mas o que é aquilo? Ninguém passa impune pela análise da família - e dos sentimentos - de Zurlini em 'Cronaca Familiare' nem pelo extraordinário trabalho do Mastroianni.

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