Foto do(a) blog

Uma geléia geral a partir do cinema

Camaradagem

PUBLICIDADE

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Lá vou eu me meter em seara alheia. Fui ontem ver Camaradagem, peça do Strindberg montada pelo Eduardo Tolentino, do Tapa. Sou até suspeito quando se fala do Tolentino. Não aplicaria a ele o adjetivo de genial, que cabe tão bem em Zé Celso, mas os gênios tem muitos altos e baixos, coisa que não encontro no Tolentino. Neste 17 anos que estou em São Paulo, indo a shows, teatro e cinema, tenho visto muitas montagens do Tapa e não me lembro de uma em que o Tolentino tenha me decepcionado. Fiquei meio desconcertado, tive um estranhamento no começo de Camaradagem. Tive mais ou menos isso no começo de O Cheiro do Ralo, de Heitor Dhalia. Não entendia direito aonde a montagem ia me levar. Será que o Tolentino errou a mão?, me perguntava. De repente, tudo se encaixou, a coisa começou a fazer sentido e eu achei o Tolentino porreta. Ele entendeu o experimentalismo do Strindberg e, sem extrapolar, criou uma coisa forte. Nas peças do Tolentino, tenho sempre a impressão de que o autor é mais importante que o encenador, o que não é uma regra entre grandes diretores brasileiros. Strindberg é quase sempre chamado de misógino. Na saída, uma espectadora comentava que nunca viu peça mais machista. É uma questão de ponto de vista. A peça discute as relações entre homens e mulheres indo contra o próprio título - a camaradagem é difícil, senão rigorosamente impossível, na ligação/oposição entre os sexos. No casamento, nem se fala. A virilização da mulher e a conseqüente desvirilização do homem, no pós-feminismo, podem e devem ser discutidos, mas por mais dura que sejam as visões (do Strindberg e do Tolentino) não creio que o espetáculo seja 'machista'. E eu fiz lá as minhas pontes com o cinema. Strindberg já foi filmado, principalmente Senhorita Júlia, por Alf Sjoberg, Mike Figgis e até Sérgio Silva. O mais curioso é que, vendo Camaradagem, aquela inversão dos sexos, me vieram à lembrança cenas de Eva, de Joseph Losey, um dos meus filmes cults, e principalmente a Lulu do Rolf Thiele, com Nadja Tiller e Hildegarde Kneff, que, se não era adaptação, devia muito à do Wedekind. Até onde eu sei, Camaradagem não pertence à fase expressionista do Strindberg, mas o Tolentino faz, ou eu fiz, a ponte com o expressionismo, via a Lulu do Thiele e do Wedekind. Será que o Tolentino viu esse filme? Será que conhece a Eva do Losey? Será que a doideira é minha? Gostei bastante de Camaradagem. Tolentino dispõe objetos num palco como ninguém. A cenografia da mãe dele costuma ser bárbara. Só não gostei muito dos ternos masculinos impostos às atrizes, Percebo a intenção, acho que tinha de ser assim, mas sinto que os ternos não as valorizam. Ficam mais baixas do que são. O figurino deveria torná-las mais altas, o que serviria às personagens.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.