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Uma geléia geral a partir do cinema

Bette, a malvada

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Conta a lenda que a Warner produziu 'Jezebel' a toque de caixa, um pouco para consolar Bette Davis, sua grande estrela, inconformada por haver perdido o papel de Scarlett O'Hara para Vivien Leigh, mas também para se antecipar ao lançamento do épico romântico do produtor David Selznick. Deu certo. Em 1939, quando '...E o Vento Levou' estourou nas telas, iniciando um culto que permanece até hoje, Bette Davis integrou a lista de dez astros e estrelas mais importantes de Hollywood. Sei que, a partir de um determinado momento, virou moda dar pedradas em William Wyler, porque ele seria o êmulo da vieille vague, da velha onda. Com seu gosto (teatral?) por roteiros psicologizantes e grandes interpretações dramáticas, Wyler entrou para a história acho que justamente a partir de seus três melodramas interpretados por Bette Davis, entre 1938 e 41 - depois de 'Jezebel' vieram 'A Carta' e 'Pérfida', adaptados, respectivamente, de Somerset Maugham e da peça de Lilian Hellman. O que era Bette Davis nestes filmes? Era moderna avant la lettre. Jeanne Moreau disse certa vez que era possível aprender a interpretar só observando o método de Bette. Ela podia ser intensa, histérica, mas se o papel exigia era sutil. A aura de 'malvada' foi esculpida por papéis de mulheres ambíguas, até mesmo cruéis. A crítica Pauline Kael dizia que 'A Carta' era grande, mais até do que pelo diretor, por obra e graça da atriz, já que ela apresenta, neste filme, o mais brilhante (e perturbador) estudo da hipocrisia sexual feminina visto na tela (e olhem como o cinema evoluiu, no rumo da liberalização dos costumes, depois. Bette, numa época de repressão, foi definitiva.) Mankiewicz, que a dirigiu em outro de seus grandes papéis - a Margo Channing de 'All about Eve'; a malvada do título brasileiro era Anne Baxter -, dizia que Bette fez tudo, sempre, da maneira mais difícil. Sua fama era de temperamental. Brigava com os executivos dos estúdios pelo direito de gerenciar sua vida, infernizava a vida dos diretores com seu perfeccionismo. Era uma rainha, e não por acaso interpretou sei lá quantas vezes o papel de Elizabeth, a 1ª. Foi Catarina da Rússia em 'John Paul Jones' ('Ainda não Comecei a Lutar'), de John Farrow, o pai de Mia, e eu nunca vou esquecer o filme que vi no Cine Orfeu, em Porto Alegre, pelos cinco minutos geniais de Bette. O aventureiro norte-americano interessado em expandir o comércio com a Rússia pede uma audiência à czarina da Rússia. Ele faz sua proposta, ela faz cara de desdém. Ele se desespera, e diz que não está sendo corretamente traduzido. Bette diz então que fala inglês - e também francês, italiano, espanhol, chinês. Ela repete a mesma frase em vários idiomas e, se não me engano, está com um copo, ou uma xícara, na mão, sorvendo algum líquido com goles largos. Por Deus - o que era aquela mulher?

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