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Uma geléia geral a partir do cinema

A vida é sopro

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Arquiteto ou filósofo? Gostei demais do documentário sobre Oscar Niemeyer exibido ontem na mostra Retratos. O título completo é Oscar Niemeyer - A Vida é Um Sopro. Foi realizado por Fabiano Maciel. Na saída da sessão, falei rapidinho com o diretor. Fabiano disse que o filme tinha saído caro, que foi difícil captar, tudo aquilo que você sabe sobre a dificuldade de fazer cinema no Brasil. Perguntei quão caro? Quanto? R$ 600 mil. Não é de graça, mas considerando-se que foram oito anos de gravação com Niemeyer e de viagens internacionais (para colher depoimentos e imagens de criações do artista através do mundo) não foi caro, não. Brinquei com o Fabiano. Disse que o filme era bom, mas digamos que o personagem ajudou um pouquinho. Ele riu, feliz da vida. Sabe que deu conta da grandeza do personagem. Niemeyer é uma figura. Completa 100 anos no ano que vem, mas, na tela, está rijo e forte. Diz que a vida é sopro, que tudo se resume em aproveitar e rir, porque tem horas que a vida cobra e aí é o choro. Niemeyer critica a burguesia endinheirada, a mídia. Diz que está cansado de ter de explicar. Ninguém sabe nada, ninguém entende nada. Talvez exista aí um pouco de exasperação do sujeito centenário que continua tendo de dar murro em foco de faca. É pessimista. Acha tudo uma m... Permite-se ser politicamente incorreto. Quando conta sobre um de seus interrogatórios pelo regime militar, diz que havia 'um crioulinho' que batia a máquina, na sala. Você leva aquele soco na barriga - ai, que ato falho!, o racismo do cara que, afinal, sempre lutou por uma sociedade igualitária. O militar perguntava o que Niemeyer, esquerdista histórico, queria e ele respondeu - mudar o mundo. O 'crioulinho', como diz o incorreto Niemeyer, observa - 'Vai ser difícil'. A platéia do Cine Odeon BR quase veio abaixo, na sessão da tarde. A incorreção virou uma coisa afetiva. Mais do que o Niemeyer, você ama aquele sujeito anônimo, que ninguém nem sabe quwem é. Niemeyer é um grande personagem. José Saramago fala da integridade, da coerência do Oscar. Eduardo Galeano diz a coisa mais linda que alguém pode dizer de uma pessoa - de inveja, Deus se inspirou nas formas de Niemeyer para criar as curvas do rio. E quando Niemeyer dá sua receita de longevidade - as mulheres! -, é preciso tirar o chapéu para ele. Saí do filme e fui, meio enlevado, para a feijoada na tenda do festival, em frente ao Copacabana Palace, na praia. Lá se encontrava quase todo o cinema brasileiro, somado aos convidados internacionais. Liège Monteiro, na entrada, sabendo como eu curto uma bateria, anunciou - vamos ter a Grande Rio! E veio a bateria, com cinco mulatas de tirar o chapéu, com bumbuns como o da garota de O Cheiro do Ralo e rebolando daquele jeito que só elas sabem. Fiz a ponte, na hora, entre o velho Niemeyer e aquela explosão de vitalidade. E havia um garoto, sei lá, de uns 14 anos, que era o próprio samba no pé. Êta guri endiabrado. E ele se movia como um lover boy no meio daquelas cabrochas. Aquelas curvas formam seu território. Me lembrei do Noel de Ricardo Van Steen, com seu encantamento pela dama do cabaré. Tudo se junta, arte e vida. O documentário do Niemeyer, O Cheiro do Ralo, O Poeta da Vila, a Grande Rio. A vida, afinal, é sopro.

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