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Uma geléia geral a partir do cinema

A sombra do sorriso

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Fui ver ontem o show de John Pizzarelli no Bourbon. Teria gostado mais se, na mesa ao lado, não tivesse se sentado a mulher mais histérica que jamais vi em qualquer show, incluindo os de rock quando era adolescente (há um tempão!). Pizzarelli repete-se. Repete as piadas, as músicas, mas acho que o segredo de renovação dele está aí. Ele entra com os três integrantes de sua banda no palco - todos de terno e gravata, como se fossem, sei lá, executivos, burocratas. Subvertem a burocracia com a alegria selvagem que se percebe que possuem no palco. Energia é a palavra. Mas, enfim, Pizzarelli sempre canta alguns standards de cinema. Ontem repetiu As Time Goes By, de Casablanca (You must remember this...), mas eu quase caí duro quando ele iniciou The Shadow of Your Smile, que ganhou o Oscar de canção de (quando?)1965, por aí. Me vieram as imagens do filme do Minnelli, The Sandpiper, que, no Brasil, se chamou Adeus às Ilusões. Foi um dos primeiros que Elizabeth Taylor e Richard Burton fizeram juntos depois de Cleópatra e ela ainda era a mulher mais bela do mundo. Jefferson Barros, crítico gaúcho que morreu cedo demais, amava Minnelli acima de todas as coisas, mas não mais que Visconti, Godard e Losey, seus outros ídolos. Até hoje a crítica trata o filme como 'ludricous' ou 'ordinary' melodrama. Não entendem a história de amor da pintora beatnik Liz e do pastor religioso Burton, o que Jefferson fez (e muito bem). Nas primeiras cenas, em Big Sur, Minnelli parte da natureza selvagem para resumir uma história do homem. O garoto participa do mundo primitivo, comete uma transgressão (mata acidentalmente o cervo) e é punido pelo sistema legal que o homem criou para se prevenir. É o que aproxima Liz de Dick, quando o filho dela é enviado para o reformatório, ficando entregue aos cuidados do pastor. Um e outro, a mulher e o homem, bagunçam suas vidas. Ela percebe que viver sem raiz, sem centro, não é bom. Ele descobre que precisa de mais liberdade para respirar (e exercitar sua sexualidade reprimida). O lúdrico, no sentido de chulo, melodrama discute a civilização, que estava em xeque nos anos 60, a chamada década que mudou tudo (embora todas as outras também mudem, quando se é jovem e anseia por liberdade). Pouca gente ainda fala no pai de Liza Minnelli hoje em dia. Vincente Minnelli virou parte de uma Hollywood irremediavelmente remetida ao passado. Foi preciso um Pizzarelli para me lembrar de Adeus às Ilusões. E, por isso, lhe agradeço.

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