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Uma geléia geral a partir do cinema

30 anos esta noite

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Espero não estar atropelando meu amigo Marcos, pauteiro do 'Metrópolis', da TV Cultura. Marcos mandou aqui uma equipe para gravar comigo um comentário sobre os 30 anos de 'Apocalipse Now', que estreou em 19 de agosto de 1979, três meses depois de dividir a Palma de Ouro, em Cannes, com 'O Tambor', de Volker Schlondorff, adaptado do romance de Gunther Grass. Não sei o que vai sobrar da entrevista logo mais. A gente grava meia hora - na verdade, foram uns 15 minutos - e vão ao ar 15 segundos. Não estou me queixando, notem bem. Às vezes, até é melhor. São dois filmes que colocam em discussão guerra e ideologia - a ideologia da guerra. O espectador que (re)vê hoje 'Apocalypse Now' - e muitos de vocês não têm 30 anos - talvez não consiga contextualizaer a época, e isso não deixa de ser importante. Coppola situou seu filme em 1968, após a ofensiva do Tet - dos vietnamitas -, quando ficou claro, para os próprios estrategistas norte-americanos, que os EUA não conseguiriam vencer a guerra no Sudeste Asiático. O que se seguiu foi uma escalada de horror. Quando Kurtz, Marlon Brando, face à inevitabilidade da morte, crava aquelas duas palavras - 'O horror, o horror' -, é o próprio Coppola falando. O grande diretor teve duas referências na realização desse filme, Joseph Conrad ('O Coração das Trevas') e T.S. Eliot ('The Hollow Men'). Ambos ajudam a sustentar sua tese da decadência moral que levou a 'América' a incinerar o Vietnã, como dizia Paulo Francis. Ele, Francis, era um grande admirador do filme, e de Coppola, mas achava bobagem que o deiretor tivesse se atado a Conrad e Eliott, que lhe eram superiores, intelectual e criativamente. Sempre me impressionou muito a análise que Elaine Showalter faz da filmagem de 'Apocalypse Now' nas Filipinas, em seu livro 'Anarquia Sexual'. Na época, o país vivia sob a ditadura de Ferdinand Marcus, a quem Coppola bajulou para ter a liberdade de movimentação que queria. Elaine faz um relato sinistro do set. Relata casos de abusos sexuais de crianças por parte da equipe - homossexualismo e bissexualidade rolariam soltos - e fala que foi criada uma linha de tráfico para atender aos milhares de técnicos e figurantes. O tráfico se consolidou depois - é muito interessante conversar com um diretor como Brillante Mendoza para ver o que restou da experiência no imaginário de um cineasta filipino. 'Apocalypse Now' encerrou uma década que havia sido traumática nos EUA. Protestos contra a guerra, o escândalo de Watergate, a renúncia de Richard Nixon. Foi nesse quadro que Coppola reinventou outro grande poeta, Yeats. 'Uma terrível beleza nasce'. Acho que é impossível ser cinéfilo sem carregar imagens deste filme. Os helicópteros foram a arma mais letal daquela guerra. Paulo Francis dizia que foram a cavalaria aérea do Vietnã, matando índios, perdão, vietnamitas. Os helicpópteros despejando napalm ao som da Cavalgada das Valquírias marcou tanto que duvido que hoje em dia se possa ouvir a peça de Wagner sem ter a referência das novas fronteiras da criação audiovisual e conceitual de Coppola. E a cena de Kilgore é genial, a melhor para mim. Kilgore, Robert Duvall, destrói a aldeia controlada pelos vietcongues só para que seus surfistas possam fluir naquele mar. A imagem em que a garota vietnamita destroi o helicóptero e ele diz - 'Selvagens!' - é uma obra-prima. Coppola trabalhou no limite, estressado pelos problemas de custo e concepção. Sua mulher, Eleanor, documentou com uma câmera doméstica o processo de criação do marido e esses 'filminhos', não no sentido pejorativo, deram origem ao documentário 'O Apocalipse de Um Cineasta'. Nunca considerei 'Apocalypse' o 'meu' Coppola. Prefiro mil vezes a saga do 'Chefão', e até o 3, com a cena da Cavalleria Rustichana, que me destroça a alma. O próprio Coppola nunca ficou muito satisfeito com o resultado e, em 2001, fez 'Apocalypse Now Redux'. Mas o filme é demais. Trinta anos hoje! P... filme!

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