Está ficando impossível acompanhar os lançamentos do cinema brasileiro. Em Paris, faz parte do charme dos cinemas de arte e ensaio armar a grade para ver os filmes que integram mostras e retrospectivas, muitas vezes em um horário diário, ou dois ou três semanais, apenas. São resgates de obras clássicas, ou recuperadas pela crítica. Adoro. Mas aqui são os lançamentos de filmes brasileiros. Temos os blockbusters, e os miúras. Ainda não consegui ver o filme do Marcelo Müller sobre a geração Y - Eu Te Levo -, mas fui ver ontem, no Belas Artes, um horário - 5 en punto de la tarde -, o documentário de Sérgio Baldassarini R., Jovem aos 50. A história de meio século da Jovem Guarda. De cara, uma provocação do diretor. Onde deveriam aparecer os logos das empresas patrocinadoras, aparece 'Nenhuma, Nenhuma, Nenhuma'. Editais em que o filme foi selecionado, 'Nenhum,'. No final, um letreiro informa que o 'Monarca' (o rei Roberto Carlos) não quis participar (do resgate de um filme sobre a memória da Jovem Guarda!) e os créditos - produção, direção, roteiro, câmera, montagem e alguma coisa que estrou esquecendo, Sérgio Baldassarini. Tudo isso seria patético se o filme fosse ruim, mas é bom! Jovem aos 50 vale, sozinho, como um compêndio sobre as dificuldades para se fazer cinema no País. Nem todo mundo enfrenta essa via-crúcis, mas alguns, sim. No final, depois de contar sua história - sobre como um buraco nas tardes de domingo da programação da Record, que não podia transmitir os jogos do campeonato paulista virou... O quê? Um marco cultural? E também sobre como, em plena ditadura cívico-militar, um publicitário teve a ideia de batizar o programa que, inicialmente, deveria se chamar Festa de Arromba, com uma expressão de Lênin sobre a Jovem Guarda que deveria se constituir na vanguarda revolucionária -, o diretor mostra todos aqueles velhos que um dia foram jovens (Ah que j'ai été jeune un jour, Emmanuèlle Riva, Hiroshima, Meu Amor) contando que aquilo foi um sonho para eles, como foi um sonho para Baldassarini fazer seu filme. Ele fez Jovem aos 50 como pôde. Enfrentou dificuldades técnicas, trombou com a reduzida disponibilidade de material iconográfico - quase tudo se perdeu nos incêndios, mais de um, da emissora -, com a recusa do 'Monarca' etc, mas logrou. O filme oferece um resgate valioso. Contextualiza a época, a resistência da esquerda a um programa de alienados. Mas Caetano, que critica Gilberto Gil - 'Foi loucura da cabeça dele' - por haver participado da passeata contra as guitarras elétricas de Elis Regina, destaca o que existe, basicamente, de violência e resistência em E Que Tudo o Mais Vá para o Inferno. Durante anos, décadas, eu, pessoalmente, impliquei com Roberto por haver tirado a música de circulação a música que cantou em seu último especial, na Globo. Roberto, o grande ausente, é a figura mítica que percorre Jovem aos 50. Assistimos ao seu nascimento como baladista romântico com a vitória em San Remo - 'La festa è appena cominciata/ È già finita...' - e o príncipe Ronnie Von, reivindicando a gênese dos Mutantes, conta toda a verdade sobre sua rivalidade com o Rei. Saí do cinema com a cabeça a mil. Um movimento de garotos da rua... Toda aquela gente faz parte do meu imaginário - Celly Campello, Sérgio Murilo. Celly, a que tomava banho de lua, foi uma figura extraordinária. Sérgio Murilo, Marcianita. Netinho revela que, por conta de seu 'romance' com Rita Pavone, chegou a ser o astro mais fotografado da Itália em 1964, à frente de Alain Delon. E o encontro dos Jordans com os Beatles! Agora vão me matar... Talvez, e pelas dificuldades, Jovem aos 50 não seja grande cinema, o grande filme que poderia ser, mas é uma grande reportagem. Fez-me lembrar Martírio... Apesar das diferenças gritantes, é impossível pensar o Brasil sem ver esses dois filmes. O que vocês estão esperando para ver Jovem aos 50? Às 5 da tarde.