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Opinião|Dmitry Hvorostovsky, um russo a serviço do bel canto

Barítono, que morreu nesta quarta-feira aos 55 anos, ficou conhecido em especial por suas interpretações de Tchaikovsky e de papeis de Giuseppe Verdi

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Atualização:

Em maio deste ano, o barítono Dmitri Hvorostovsky subiu ao palco de surpresa em uma gala na Metropolitan Opera House de Nova York. Nos últimos dez anos, ele havia sido presença constante no teatro mas, desde 2015, suas aparições haviam diminuído consideravelmente: diagnosticado com um tumor no cérebro, ele vinha se dedicando ao tratamento em Londres. Naquela noite, cantou a ária "Cortiggiani...", de Rigoletto, um de seus grandes papeis. Caminhava com dificuldade, a respiração e a voz já não eram os mesmos. Mas a postura, a autoridade, essas estavam lá. O público o ovacionou durante um longo tempo, talvez consciente de que aquela era uma despedida: Hvorostovsky morreu nesta quarta (22), aos 55 anos, no auge de uma carreira que fez dele um dos grandes do canto lírico de sua geração.

 Foto: Estadão

Hvorostovsky nasceu na Sibéria. Começou a estudar piano e canto na escola mas, aos 14 anos, quando o programa do qual fazia parte foi encerrado, abandonou a música, envolveu-se com gangues e álcool. O problema com o alcoolismo o acompanharia e, anos mais tarde, depois de ganhar concursos importantes, como o Cardiff, o início de uma carreira de sucesso quase foi interrompido pelo vício. "Eu era inconveniente, arrogante, difícil de se trabalhar, duro com meus colegas", ele lembraria em uma entrevista à revista New Yorker. Em 2001, parou de beber, casou-se novamente, passando a se dedicar uma vez mais à reconstrução de sua carreira.

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Hvorostovsky foi o grande Oneguin, protagonista da ópera de Tchaikovsky baseada em Pushkin, de sua geração. "Houve muitas belas vozes, mas, na minha opinião, nenhuma tão bela como a de Dmitri", disse certa vez a soprano Renée Fleming, sua parceira em uma versão em DVD da ópera. Sua relação com o repertório incluía ainda uma atenção especial às canções. Mas foi ao repertório italiano que ele se tornou particularmente associado. Não por acaso. Formado na Rússia, ele dizia que, na juventude, aprendeu a cantar ouvindo gravações de obras de Donizetti, Bellini, Rossini, compositores que interpretou no início da carreira e que eventualmente abririam espaço para papeis de Verdi. A clareza na pronúncia do texto, a construção das linhas de canto, a organicidade dos agudos aliada ao timbre escuro são características que o marcariam nesse repertório.

Em 2010, seu Simon Boccanegra no Metropolitan, regido por James Levine, foi uma das mais impactantes performances que tive a chance de ouvir, construída com sensibilidade musical ímpar e uma presença de cena capazes de nos lembrar do que, afinal, se trata a ópera como gênero. Rigoletto, Conde de Luna (Il Trovatore) e Germont (La Traviata) também compunham a galeria de seus grandes papeis. Hvorostovsky esteve no Brasil em 1997, para um recital no Teatro Municipal de São Paulo ao lado da mezzo soprano Olga Borodina.

Opinião por João Luiz Sampaio

É jornalista e crítico musical, autor de "Ópera à Brasileira", "Antônio Meneses: Arquitetura da Emoção" e "Guiomar Novas do Brasil", entre outros livros; foi editor - assistente dos suplementos "Cultura" e "Sabático" e do "Caderno 2"

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