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Flavia Guerra

Al Pacino, o Bom Companheiro

Em entrevista exclusiva, Al Pacino fala do desejo de continuar na ativa aos 73 anos, do prazer de ser pai e de seu novo filme, Amigos Inseparáveis, que estreia no Brasil em 15 de março

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Por Flavia Guerra
Atualização:

Em Amigos Inseparáveis, Pacino faz o papel de um ex assassino de aluguel que acaba de sair da prisão

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Flavia Guerra/ Los Angeles

"Toda vez que eu sinto a urgência de atuar, eu me deito e espero até que passe." Foi assim que Alfredo James Pacino respondeu ao Estado quando questionado se, aos 73 anos, está mais inclinado a continuar na ativa ou a se aposentar, feito o personagem de seu mais novo filme, o ex assassino de aluguel de Amigos Inseparáveis, que estreia em abril no Brasil. "Oscar Wilde disse isso. Estou sendo irônico, obviamente, porque hoje até sou mais seletivo e pondero muito mais antes de decidir por um papel. Mas o fato é que não considero a opção de parar. Aposentadoria? Nem sei o que isso significa", continuou o ator que ganhou fama mundial ao viver Michael Corleone nas três versões de O Poderoso Chefão (1972) e recebeu o Oscar de melhor ator por Perfume de Mulher (1992).

Hoje, como poucas vezes, estrela um longa que fala, justamente, de um tema que é lhe é muito atual e familiar. "Ele está ficando velho. Sei o que está sentindo. Mas, a aposentadoria para ele ocorre de forma meio compulsória, já que acaba não tendo outra opção. Não tem mais a mesma força física que costumava ter, o mundo mudou a seu redor, mas ele ainda tem muita energia, sabedoria e uma nova forma de olhar tudo", comentou o ator sobre seu personagem.

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Na trama dirigida pelo também ator Fisher Stevens , Pacino vive Val, este ex assassino de aluguel que, após passar décadas na cadeia, é finalmente libertado. Para ajudá-lo na tarefa de voltar ao mundo, tem o amigo Doc (o genial Christopher Walken) na sua retaguarda. Os dois decidem ter um último dia de velhos tempos e, para completar a trupe, resgatam Hirsch (Alan Arkin, de Argo) em um asilo.

Bandidos à moda antiga, Doc (Christopher Walken) e Val (Pacino) vivem um último dia de 'velhos tempos'

O que o fez entrar para o projeto de Amigos Inseparáveis?

Li e adorei o roteiro. Gosto dos personagens. Eles são ao mesmo tempo incomuns e exóticos, mas também muito humanos. É um filme pequeno, em que dá prazer de trabalhar. É leve e também fala de um tema difícil. Conheço o Fisher, somos bons amigos e confio muito nele. Além de ser um ator incrível, ele dirige muito bem. E para completar, soube que o longa seria rodado em um região próxima de minha casa, em Los Angeles, o que me permitiria trabalhar e continuar vendo meus filhos. Em geral os roteiros me motivavam a fazer um filme. Hoje em dia levo em conta outros fatores, como onde vai ser. Hoje o fato de eu coseguir cuidar dos meus filhos, que têm 12 anos, é importante.

E poder filmar e continuar em cartaz com uma peça (como até há pouco, em que estava com Glengarry Glen Ross em Nova York)? Também é importante?

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Sim. Comecei no teatro. Me sinto mais livre no palco. E mais à vontade também. Me dá mais prazer e poder de expressão. Sempre senti isso. Mas, por outro lado, é também mais exaustivo. Quando estamos em cartaz com uma peça, dependendo do personagem, muita energia é consumida. Se o teatro é toda sua vida, pode ser tornar muito difícil. É mais fácil quando se têm outros projetos. Há mais equilíbrio quando a gente faz filmes, temos roteiros para ler, cuidamos da família e dos filhos. É importante. Se fazemos só teatro, nos vemos sempre ajustando a vida em torno disso.

Ainda que incomum, Amigos Inseparáveis é uma comédia. Em geral, você não é associado a papeis cômicos. Como foi encontrar humor neste personagem?

É sempre preciso encontrar humor nos personagens. Isso nos ajuda a enfrentar passagens que são mais trágicas. Sempre me vi como alguém que permite que a graça exista. Até mesmo personagens como Scarface têm humor. Isso torna o drama mais palatável. E a vida também. O humor nos torna humanos.

No início da carreira, você fez stand up comedies. Por que disse que era um trabalho melancólico?

Fiz comédias quando jovem para me ajudar a pagar as contas e encarar minha própria vida, que era repleta de tristezas e áreas sombrias. O humor me ajudou. Ao mesmo tempo, era melancólica esta sensação.

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O que ainda o seduz em um personagem hoje?

Varia muito de projeto para projeto. Roteiro é importante. Não penso muito nisso. Às vezes sefaz algo porque 'se está lá'. E é assim que tem de ser.

Em Amigos Inseparáveis, há muitas piadas sobre o fato de como os personagens estão envelhecendo e se aposentando. Você pensa em se aposentar?

Não. Em vez de parar, tudo é mais questão de entender do que a gente é ainda capaz de fazer. E rir de nossas limitações. Às vezes ficamos cansados, mas descobrimos energias novas. Se um papel me interessa, anima ou desafia, não vejo porque não o fazer. E se este papel se distancia de mim no processo, tudo bem. Meus personagens sempre foram extensões de minha vida e de mim mesmo. Não há regras. É preciso seguir o fluxo.

Walken, Alan Arkin e Pacino vivem três amigos de crime, que encaram os desafios de envelhecer

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Dirigir também extensão? Sente-se realizado dirigindo?

De forma alguma. Sinto que estou fazendo tudo errado. Às vezes quando faço um filme, vou às sessões testes, para ver como o público vai reagir. Sento no fundo da sala e penso: 'Espero que algum bom editor pegue este filme e o remonte e faça um filme bom'. Esta é minha fantasia.

Ao mesmo tempo, você é ótimo em descobrir novos talentos.

Sim, mas este é meu mundo. Meu olhar é treinado. Falando agora sério sobre dirigir, eu me divirto sim. E quando um filme está pronto, não é o pior sentimento do mundo. Se é bonito e entretém, o espectador responde a isso. Mas não é como diretor que eu vejo o mundo. Meu olhar é o do ator. É no lugar do ator que encontro minha expressão.

Sendo ator, é mais fácil dirigir?

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Quando eu era mais jovem, dirigir era muito mais difícil. Hoje, depois de ter dirigido alguns filmes, entendo melhor os diretores. Entendo o que eles passam com os atores. E entendo melhor a arte do cinema também. E fiz meus filme com meu próprio dinheiro. E foi melhor assim. !uando eu tinha dinheiro, eu senti que era o que devia fazer. Foi uma forma de me livrar do moedor de carne que é ter de fazer tudo sob a pressão de fazer tudo de acordo com a ditadura do 'prazo'. Muito de nosso trabalho é ditado pelo relógio. E você, como jornalista, sabe do que estou falando. A gente tem de entregar o trabalho de acordo com o tempo da engrenagem de produção. E este tempo afeta como criamos. Fiz Édipo em Nova York há dez anos. Levamos sete meses e meio. E nunca estreamos. Apresentamos para pequenas plateias só. Mas o Édipo que fizemos foi diferente do que teríamos feito se tivéssemos apenas dois meses. É diferente porque pudemos explorar mais. É disso que trata o Actors Studio. E isso foi importante para mim quando dirigi e paguei meus filmes. Não havia alguém batendo no meu ombro dizendo quando tinha que acabar. Spielberg uma vez me disse: 'Nunca ponha seu próprio dinheiro em um filme seu.' Ele tinha razão. Mas estou feliz de ter feito.

Na 'terceira idade', ir a um bordel pode ser motivo para grande emoção

Faria novamente?

Sim! Vou fazer. Quero dirigir, ou produzir, a história de Modigliani, baseada na peça de Dennis McEntire Gostaria de atuar, mas estou velho para o papel.

Você também está mais velho e mais maduro. A idade o tornou mais fácil de trabalhar, já que ê sempre teve fama de ser difícil?

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Definitivamente. As pessoas me dizem isso. Era muito duro quando era mais jovem.

Isso também se traduz na forma como aceita críticas? Porque sempre se referem a você ou como a um Deus ou 'muito Al Pacino' para este papel.

Depende de como a crítica é feita. Ouço coisas o tempo todo, mas não ligo mais. uma vez que o trabalho está feito, está feito. Quando estou no meio de um processo, ouço bem críticas, mas depois de pronto, não há porque. Não há mais nada que possa fazer. É inútil. Mantenho uma distância política das críticas.

Você já teve um amigo inseparável?

Sim. Principalmente quando estava crescendo. Sou do Bronx,Nova York, e tive amigos que me protegiam de verdade, com quem eu podiacontar. Gostaria que meus filhos tivessem isso. Foi nas ruas que tive minha educação social.Sem amigos, não seria o que sou.

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Foi esta lealdade, que está desaparecendo hoje em dia, que o atraiu a este filme?

Não acho que esteja desaparecendo, é só diferente hoje. Ter amigos de verdade sempre foi algo raro. Tive dois ou três amigos muito importantes para a minha vida, que já morreram, mas minha relação com eles sempre foi vívida, um presente. Mas temos outros grandes amigos, pessoas com quem eu poderia ter me casado. E que hoje são grandes amigas. Isso porque transformamos o amor em outra coisa. O amor existe. Está lá. É bom ser amigo de alguém que amamos.

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Você fala muito de seus filhos. Até comentou que está cansado porque passou a noite cuidando deles, que estão gripados. Se considera um bom pai, amigo?

Tento ser. Anton e Olivia são gêmeos e estão com 12 anos. Quero fazer parte da vida deles, como não pude fazer da vida de minha filha mais velha, Julie Marie, de 22 anos. Ser pai é algo natural. O que não é muito natural é ser pai solteiro. É mais difícil. Se eu vivesse com a mãe deles, muitas coisas seriam diferentes. Quando não estou filmando, faço questão de levá-los e buscá-los na escola.

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É diferente ser pai aos 70 que quando se é mais jovem?

Muito. Aprendi que ser pai não é sobre você. É algo que nos faz distanciar do ego. É gratificante, pois nos faz parar de nos preocuparmos tanto com nós mesmos e doar mais. Não pude estar muito próximo da minha filha mais velha. E fico feliz de ser um pai presente hoje.

Não estava maduro antes?

Não. Ser pai é muito mais sobre como os filhos vêm ao mundo, com quem os temos e onde estamos neste momento. Quando Julie nasceu eu não estava pronto para ser pai. Assumi as responsabilidades. Mas os gêmeos foram planejados. E posso curti-los mais.

O que te dá prazer hoje?

Fazer filmes como este. Não é sempre que ocorre. Neste caso, me divertir foi uma das grandes razões, pois trabalhei com amigos. Cuidar dos meus filhos. E dar palestras. Eu adoro dar palestras. É importante para mim. Relembro e revisito fatos da minha vida e os vejo de uma nova perspectiva. Aprendo sobre eles de uma nova forma. E os compartilho com os mais jovens.

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