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Shakespeare Exclusivo: Nova Tradução de 'Romeu e Julieta'

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Por Eduardo Wolf
Atualização:

A Penguin - Companhia das Letras lançou recentemente uma nova edição de Romeu e Julieta, peça canônica e consagrada de William Shakespeare. A tradução ficou a cargo de José Francisco Botelho, que já havia assinado a prestigiada tradução dos Cantos da Cantuária, de Chaucer. Botelho estreia hoje sua coluna quinzenal no Estado da Arte, e para celebrarmos sua chegada, publicamos com exclusividade trechos de uma das cenas mais famosas da tragédia dos jovens amantes.

ROMEU E JULIETA

Ato III

 Cena 1

Entram Mercúcio, Benvólio e seus criados.

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Benvólio:

Mercúcio, por favor, vamos embora.

Faz calor, e há Capetos[1] nestas ruas.

Vai haver confusão, se os encontrarmos.

Em dias como hoje, assim tão quentes,

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O louco sangue agita-se fervente.

Mercúcio:

Ah, tu és como um desses sujeitos que, ao entrar nos recessos de uma taverna, taca a espada sobre a mesa e diz: "Queira Deus que ninguém me provoque!", mas então, sob a influência da segunda caneca de cerveja, retalha o taverneiro sem ser provocado.

Benvólio:

É a mim que estás descrevendo?

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Mercúcio:

Ora, admite, és tão esquentado e briguento quanto qualquer fanfarrão na Itália: pronto a se ofender por qualquer coisa, e pronto a brigar por qualquer ofensa.

Benvólio:

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Se eu sou assim, então somos dois.

Mercúcio:

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Não, senhor: se dois sujeitos tão destemperados andassem juntos, logo não sobraria nenhum deles, pois um mataria o outro.  Ora boas! És do tipo que puxa briga porque um homem tem dois fios de barba a mais, ou a menos, que tu.  Se vês um homem quebrando uma noz, vais lá brigar com ele, só porque teus olhos são cor de amêndoa. Sim, tens um belo olho-grande para armar rixas ? um olho quase tão grande quanto o meu. Teu cérebro está sempre cheio de brigas, assim como um ovo está cheio de gema; mas já vi tua cabeça ficar mole feito um ovo podre, de tanto levar sopapos.  Já brigaste com um sujeito que tossiu na rua, só porque a tosse havia acordado teu cachorro, que dormia ao sol. Por acaso não brigaste com um pobre alfaiate, só porque ele ousou vestir um gibão novo antes da Páscoa? E não brigaste com outro sujeito, porque ousou atar seus sapatos novos com fitas velhas? E, ainda assim, vens me ensinar a ser pacífico!

Benvólio:

Se eu fosse tão briguento quanto tu, o prazo de minha vida equivaleria uma hora e meia.

Mercúcio:

E tu, inteiro, equivales a meia tigela.

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Entram Teobaldo e outros.

Benvólio:

Por minha alma, lá vêm os Capuletos!

Mercúcio:

Pela sola do meu pé, eu não me importo.

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Teobaldo:

Venham comigo. Vou falar com eles.

Cavalheiros, olá. Podeis falar?

Mercúcio:

Por que falar, apenas? Que tal trocarmos mais do que palavras? Palavras e golpes, por exemplo.

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Teobaldo:

Verás que estou pronto a trocar golpes, cavalheiro, se acaso me deres uma razão.

Mercúcio:

Não tens razão alguma, a menos que alguém a dê?

Teobaldo:

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Tu és acompanhante de Romeu.

Mercúcio:

Acompanhante? E eu lá sou tocador de rabeca, para fazer acompanhamento? Se me chamas de rabecão, vais ouvir umas notas bem estridentes. Eis aqui meu instrumento. (Saca a espada.) Com ele, vou te fazer dançar. Pela santa chaga! Acompanhante!

Benvólio:

Nós estamos em público, senhores!

Procurai um local mais reservado,

Ou, com prudência, resolvei a briga;

Ou ide embora. Aqui, todos nos olham.

Mercúcio:

Os olhos foram feitos para ver;

Deixa que olhem! Não engulo sapos.

Entra Romeu.

Teobaldo:

Fica em paz. Pois lá vem nosso garoto.

Mercúcio:

Garoto? Ele não vem de calças curtas.

Se Vossa Senhoria provocá-lo,

Verá que esse garoto já é homem.

Teobaldo:

O que sinto por ti, Romeu, não vale

Termo melhor que este: és um vilão.

Romeu:

Contudo, eu não te odeio, e meus motivos

Bastam para aplacar a justa raiva

Que a tua saudação em mim desperta.

Não sou vilão. Agora, adeus, Teobaldo.

Não me conheces, e isso é evidente.

Teobaldo:

Moleque, isso não paga as mil ofensas

Que me fizeste. Volta e saca a espada.

Romeu:

Eu jamais te ofendi. Isso eu afirmo.

Devemos ser amigos. Muito em breve

Entenderás porque não posso odiar-te.

Então, bom Capuleto ? nome que honro

Como o meu próprio ?, esquece esta disputa.

Mercúcio:

Oh submissão abjeta e desonrada!

O grão-espadachim vai escapar!

(Saca a espada.)

Teobaldo, papa-ratos, vais fugir?

Teobaldo:

O que queres comigo?

Mercúcio:

Meu caro Rei dos Gatos, quero apenas uma de tuas nove vidas. Essa eu pretendo espetar agora mesmo; quanto às oito que sobram, eu talvez me contente em lhes dar apenas uma surra de prancha, mas apenas se te comportares bem. Vais sacar tua espada pelas orelhas? Puxa rápido; ou minha espada vai cortar as tuas orelhas antes que saques.

Teobaldo:

Estou ao teu dispor.

(Saca.)

Romeu:

Gentil Mercúcio, guarda o teu florete.

Mercúcio:

Avante, vamos ver essa estocada!

(Lutam.)

Romeu:

Benvólio, saca! Bate nas espadas!

Senhores, basta! Chega de loucura!

O Príncipe ordenou, expressamente,

Que essas lutas de rua terminassem!

Para, Teobaldo! Para, bom Mercúcio!

 

(Sob o braço de Romeu, Teobaldo estoca Mercúcio.)

Um Acompanhante:

Foge, Teobaldo! Foge!

 

Mercúcio:

Estou ferido.

Malditas sejam vossas duas casas!

Eu estou morto. E ele se foi, ileso.

Benvólio:

O que houve, Mercúcio? Estás ferido?

Mercúcio:

Um arranhão, um arranhão de gato.

E é o bastante. Meu pajem! Quero um médico!

(Sai o Pajem.)

Romeu:

Coragem, homem. Não é corte fundo.

Mercúcio:

Não, não é tão fundo quanto um poço, nem tão largo quanto a porta de uma igreja. Mas é o bastante. Vai dar pro gasto. Se alguém me procurar amanhã, vai descobrir que virei um homem sério, sério como um túmulo. Estou esburacado demais, eu garanto, para ficar neste mundo. Malditas sejam vossas duas casas! Chagas de Cristo! Quem diria que um cão, um rato, um camundongo, um gato poderia arranhar um homem até a morte! Um exibido, um embusteiro, um vilão que luta como num livro de aritmética! Por que diabos te meteste entre nós dois? Fui ferido debaixo do teu braço.

Romeu:

Eu só queria ajudar.

Mercúcio:

Benvólio, me carrega a alguma casa,

Me ajuda a caminhar, ou eu desmaio.

Malditas sejam vossas duas casas!

Transformaram-me em carne para vermes.

Agora chega. Chega! Vossas casas!

Saem Mercúcio e Benvólio.

Romeu:

Esse fidalgo, primo-irmão[2] do Príncipe,

Meu amigo leal, foi malferido

Por minha causa; e eu estou manchado

Pela infâmia que me lançou Teobaldo;

Teobaldo, que ora há pouco era meu primo.

Ah, suave Julieta, a tua beleza

Roubou-me a valentia e desgastou

A têmpera do aço de meu peito!

Entra Benvólio.

Benvólio:

Oh Romeu, oh Romeu, o nosso amigo,

Nosso bravo Mercúcio ? ele está morto!

Às nuvens ascendeu a alma galharda

Que tanto disse desprezar a Terra!

Romeu:

Este dia fatal contamina o futuro.

Outras sombras virão deste céu rubro-escuro.

Entra Teobaldo.

Benvólio:

Teobaldo volta, irado como um touro!

Romeu:

Vivo, triunfante ? e o bom Mercúcio, morto!

Retorna ao céu, serena temperança!

Que a Fúria de olhos ígneos me conduza!

Retira tua ofensa, vil Teobaldo,

Pois a alma de Mercúcio ainda paira

Sobre as nossas cabeças, muito próxima,

Aguardando que a tua o acompanhe;

Algum de nós irá com ele, ou ambos.

Teobaldo:

Moleque infame, tu o trouxeste aqui;

Vai tu com ele!

Romeu:

A espada escolherá!

Lutam.[3] Teobaldo cai.

Benvólio:

Foge, Romeu, escapa!

Os cidadãos lá vêm; Teobaldo é morto.

Acorda! Quando o Príncipe chegar,

vai condenar-te à morte! Agora, vai!

Romeu:

Sou o fantoche da Fortuna!

Benvólio:

Sai!

Sai Romeu.

[1] Contração de "Capuletos". Em inglês, Capels. A forma abreviada encontra-se na obra de Brooke, Romeus and Juliet (N. do T.)

[2] primo-irmão: No original, "close ally". O parentesco entre Mercúcio e o Príncipe é enfatizado; e o próprio Escalus há de lamentar, mais tarde, a perda do parente. Daí minha opção, neste momento altamente crucial, em sublinhar o vínculo de Mercúcio com o Príncipe, denominando-o "primo-irmão". (N. do T.)

[3] Lutam: Presumivelmente, a luta entre Romeu e Teobaldo é breve; já a briga entre Teobaldo e Mercúcio fora longa. Benvólio relata, mais adiante: "lançam-se na luta, como raios".

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