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Presidente Trump: Apocalypse Now!

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Por Eduardo Wolf
Atualização:

por Gustavo Nogy

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Para o bem da honestidade intelectual, importa deixar claras as premissas a partir das quais escrevo estas notas: se americano fosse, eu não teria saído de casa. Em primeiro lugar, advogo o voto facultativo. Sendo possível não votar, e não havendo candidatos que me façam sair do sofá, declino do convite.

Mas não só isso: defendo a abstenção e o voto nulo como opções moralmente legítimas. Não tenho a superstição do voto. Democracia não é religião e, a despeito de ser, segundo se supõe, o pior dos regimes ressalvados todos os outros, minha fé não é tamanha a ponto de me fazer escolher um de dois deuses que abomino, ou dos quais descreio.

Dito isso, reitero: não teria saído de casa para votar em Hillary Clinton. Não teria saído de casa para votar em Donald Trump. Os valores (ou sua falta) de Hillary Clinton me são desprezíveis; os de Trump não o são menos.

Mas é inegável que as eleições americanas ora concluídas são mais do que um fenômeno surpreendente, assustador, jubiloso: são o "resultado impremeditado de nossas ações". De certas ações muito específicas.

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Nenhum dos dois candidatos era de fato o que dizia ser, nem representava quem dizia representar. Essa equivocidade ideológica, de resto cada vez mais frequente, embaralha os termos com os quais a imprensa e as mídias alternativas costumam analisar a política.

Hillary Clinton vendeu a preocupação com os imigrantes, os gays, os negros, as mulheres. As minorias standard, enfim. Mas Clinton não é, nem de longe, one of us. Ela é membro da poderosa família que já governou o império, é o establishment esquerdista por excelência, aquele que, longe do romantismo de um Bernie Sanders, alia-se a qualquer um - a qualquer coisa, a qualquer custo - que lhe aumente o poder e a influência.

Uma mulher de ambição desmedida, de caráter anfíbio, dada a ligações perigosas. Não por acaso, o outrora inimigo número dois (Edward Snowden é o número um) dos EUA, Julian Assange, sempre esteve em seu radar. Assange, antes paparicado pela esquerda, hoje faz as vezes de direitista por ter, vejam só, revelado mais do que devia. As voltas que a vida dá.

Por sua vez, Donald Trump não é, nunca foi, o conservador político que a cristandade esperava; menos ainda um liberal convicto. Trump é o bilionário que defende protecionismo; o conservador de frases feitas e virtude questionável.

A propósito de frases feitas, talvez não seja por acaso que Trump seja eleito à sucessão de Barack Obama. Ambos são feitos de frases, de retórica, de apelos: este mais ensaiado que aquele; este mais digerível que aquele. Obama, sinto dizer, não fez a presidência pela qual a mídia esperava. Só mesmo Arnaldo Jabor para negar isso.

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A verdade é que do outro lado do nosso voto, do outro lado das nossas convicções, há mais gente. A imprensa de esquerda, com o perdão da tautologia, preferiu ignorar que existem milhões de eleitores que não rezam pela cartilha dos que se julgam bem pensantes e pretendem tutelar as massas. Donald Trump percebeu que seria a esse público que ele teria de apelar.

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Da mesma forma, Barack Obama foi eleito prometendo o maná a todos quantos se sentissem marginalizados, fossem de fato marginalizados ou apenas profissionais de indignações. Essas pessoas existem e não é possível desprezar suas demandas.

Mas tão preconceituoso quanto dizer o que Trump disse (ou sugeriu, ou teria dito, ou assim foi interpretado) sobre imigrantes, latinos, negros, mulheres e gays, é dizer o mesmo, ou pior, acerca do americano comum, de classe média ou baixa, atordoado com os movimentos migratórios, os atentados terroristas, o desemprego, o politicamente correto.

A democracia é isso: essa metamorfose ambulante, quase sempre assustadora, que muitas vezes terminará por desagradar aqueles outros que serão os perdedores da vez. Ignorar isso é ignorar todo o resto, e fazer dança da chuva para apocalipses que, de repente, nem mesmo virão.

Gustavo Nogy é escritor.

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