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O ovo, a galinha e a política brasileira

Se, no campo da ciência propriamente dita, a galinha pode ter vindo antes, em política, o ovo veio primeiro, surgindo a galinha muito tempo depois como mais um exotismo da nossa frondosa e frutífera jabuticabeira nestes Tristes Trópicos.

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Por Estado da Arte
Atualização:

Por Tiago Pavinatto

O Nobel de Física Steven Weinberg reputa que "o esforço no sentido de entender o universo é uma das poucas coisas que elevam a vida humana acima do nível da farsa, conferindo-lhe algo da dignidade da tragédia." Dessa peleja reflexiva, a mais popular das questões talvez seja aquela sobre o que veio em primeiro lugar: o ovo ou a galinha?

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O prefeito de São Paulo foi atingido por "ovum" de algum "ovis", mas também recebeu "ovatio" no seu significado mais primitivo: após triunfar sobre a ovada, um triunfo bastante pequeno, foi conduzido à imponente sede (capitólio) legislativa soteropolitana, oportunidade na qual seu discurso se inflamava à medida que os gritos de alegria e aplausos ("evoé") se intensificavam num clima perfeito para o acirramento do uso invertido da criação petista do "nós contra eles", imputando a responsabilidade do ataque, no fim das contas, ao PT de Lula, comprovando que, na política brasileira, até o enigma do ovo e da galinha se polariza entre PT e PSDB (restaria ao PMDB, então, o papel enigmático do criador? Não restam dúvidas se enxergarmos nele as características apontadas por Fernando Pessoa n'O Guardador de Rebanhos e por José Saramago em Caim - que o chama, com todas as letras, de "fdp" na página 79 da primeira edição brasileira).

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O fato é que o ovo, vindo da direita ou da esquerda - os casos relatados em artigo da jornalista Chitra Ramaswamy no The Guardian, que chegou, estupidamente, a classificar a "ovada" como forma de protesto "eggalitarian", mostram que, na Inglaterra, eles costumam atingir mais os conservadores - é atitude reprovável em nossos tempos, mas não causa surpresa quando lidamos com duas categorias: os reprimidos por um governo autoritário que não tem outra forma de protesto (vejamos o caso atual da Venezuela, na qual cinco jovens foram presos em abril deste ano por jogarem ovos em Maduro) e broncos que não sabem perder no jogo democrático. Destes, o Brasil está repleto, sejam da esquerda ou da pseudo-direita (e nunca da direita liberal); basta olhar para nossas redes sociais quando o assunto envolve "lados" (política, futebol e até mesmo religião) e veremos o exemplo mais bem acabado da "legião de imbecis" avistada por Umberto Eco. Por último, dado que começamos com uma questão que pesa sobre a inteligência do homem que pensa que sabe desde os tempos mais remotos, queremos terminar com outra: quem somos nós, uma vez que, nesse embate entre "nós e eles", nós não somos "nós" e nem somos "eles"? E importaria saber se, no final, seremos, mais uma vez no surrado roteiro de uma farsa que insiste em terminar em indignas e contínuas tragédias, sacrificados e despachados como galinhas pretas? A resposta é nosso "ovo de Colombo".

 

Tiago Pavinatto é advogado; graduado, pós-graduado, mestre e doutorando pela Faculdade de Direito da USP do Largo São Francisco. 

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