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Entrevista com Nick Zangwill: "O segredo é combinar forma e conteúdo"

Por Estado da Arte
Atualização:

Por Rodrigo Cássio

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Nick Zangwill já passou duas temporadas a trabalho no Brasil, mas em nenhuma delas teve a chance de apresentar suas ideias sobre estética na universidade. A entrevista que o filósofo nos concedeu da China, onde está trabalhando no momento, revela a oportunidade que perdemos. Catedrático da University of Hull, no norte da Inglaterra, Zangwill publicou em 2001 o livro The Metaphysics of Beauty, e desde então se tornou uma das maiores referências sobre o formalismo, uma corrente do pensamento estético que se tornou marginal pela influência das tendências pós-modernas e "desconstrucionistas" na filosofia.

O mercado editorial acadêmico ainda deve obrigar os leitores brasileiros a uma longa espera pela tradução de The Metaphysics of Beauty ao português. Pior para nós. A proposta de um "neformalismo moderado", concebida por Zangwill, já se consolidou na estética contemporânea como uma passagem obrigatória para quem se interessa pelo tema. Ao revisar autores como Clive Bell e Roger Fry, a teoria de Zangwill demonstra que os excessos do formalismo ortodoxo eram bem mais razoáveis que o relativismo engajado do atual mundo acadêmico.

Na conversa abaixo, realizada a partir do interesse que a obra de Zangwill suscita no GEFAT (Grupo de Estudos Forma, Arte e Tecnologia, da Universidade Federal de Goiás), pudemos ouvi-lo sobre a sua trajetória acadêmica, as diferentes maneiras de fazer filosofia na universidade, o papel da crítica e dos curadores e, é claro, os principais aspectos da sua reflexão original sobre o formalismo.

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Rodrigo Cássio: O formalismo é geralmente considerado um ponto de vista teórico envelhecido. Mesmo assim, em seu trabalho, você escreve em sua defesa na atualidade. Como você desenvolveu este interesse?

Nick Zangwill: Eu não acredito que alguém deva se preocupar com o que é novo ou velho. Nas Humanidades, pode haver um valor duradouro em visões antigas. Beethoven está na moda? Esta não é uma boa questão.

Como cheguei ao formalismo? Eu praticamente não estudei estética quando era estudante de graduação ou de pós-graduação. Entretanto, como uma pessoa razoavelmente inteirada, aproveitei várias atividades de natureza estética. Após terminar meu doutorado sobre metaética e começar a lecionar filosofia, eu descobri a estética filosófica. Fiquei surpreso com o consenso antiformalista, especialmente nos Estados Unidos. Então comecei a articular e defender o formalismo, que eu considerei a perspectiva mais sensata.

O antiformalismo parecia cego para aquilo que é obviamente importante. Além disso, os argumentos dos antiformalistas não eram tão bons como eles imaginavam. Na verdade, eram gritantemente petições de princípio ou argumentos de força limitada. Acredito que não ter feito meu doutorado em estética me deu um tipo de liberdade que me permitiu seguir na direção contrária da que alguém seguiria se tivesse sido escolarizado (submetido a uma lavagem cerebral, alguém diria?) no modo de pensar que é concedido aos estudantes de graduação.

Ademais, há o risco de você perder contato com os fenômenos quando está imerso na "literatura". Você pode se tornar incrivelmente competente, mas enfadonho. Melhor ir ao encontro dos fenômenos com o olhar fresco.

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Rodrigo Cássio: Na sua obra, Clive Bell e Roger Fry são criticados por suas posições sobre a "forma", ao passo que Clement Greenberg, embora rejeitando o nome de formalista, é considerado um pensador sutil deste conceito. Como você classifica Greenberg?

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Nick Zangwill: Bell e Fry, a despeito de suas virtudes, foram longe demais ao restringir a significação estética a questões formais. Este é um erro menor do que negá-las completamente, como fazem os antiformalistas. Em todo caso, há beleza na representação que está além da beleza formal das linhas e cores em uma superfície, e além da beleza formal das formas plásticas tridimensionais. É isso que nos diz o senso estético comum e a experiência.

Possivelmente, a emergência do formalismo em Bell e Fry coincide com o movimento modernista na pintura no começo do século XX. No entanto, eles fizeram afirmações de caráter mais universal. Eu penso que as afirmações de Greenberg foram restritas à arte significativa ou interessante de uma área particular. Greenberg provavelmente não estava fazendo afirmações universais, mas apenas dizendo que a melhor arte de seu tempo tinha preocupações e valores formais dominantes.

Muito se objeta que essa análise não se adequa ao surrealismo ou à pop art, mas talvez isso seja pior para o surrealismo e a pop art (que, afinal, podem ser muito triviais). Greenberg foi um crítico hábil que podia trazer à tona as virtudes formais da pintura em seus escritos. Mas eu diria que Greenberg pode ser demasiado voltado para os EUA: o que dizer de Dubuffet e Richter na Europa? Eles não entraram na narrativa americanista e triunfalista de Greenberg.

Rodrigo Cássio: Em The Metaphisics of Beauty foram publicados seus artigos sobre estética produzidos em um período de dez anos (1991-2001), incluindo a discussão sobre o formalismo. Você poderia explicar a sua proposta de um formalismo estético moderado?

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Nick Zangwill: O formalismo moderado foi concebido para ser uma visão sensata e bastante desempolgada, que reconhece os valores formais suscitados pelos aspectos não representacionais da forma [design], a configuração espacial das cores e linhas na superfície, mas também outros valores estéticos que dependem de conteúdo representacional, ou ainda de outras funções não estéticas, como a história da produção [das obras].

O antiformalismo extremo tinha se tornado tão dominante, negando qualquer valor estético que emergisse da forma sem o conteúdo, o contexto ou a história, que o meu ponto de vista foi tido como como radical e até mesmo perverso. Eis o poder do paradigma.

Imagine a configuração de um texto na arte gráfica. As letras podem se adequar de maneira melhor ou pior ao espaço que há em torno delas, o que pode dar origem a uma grande arte, como no leste da Ásia ou na caligrafia islâmica. A adequação correta é o teste a ser feito. O que se chama de kerning na impressão de palavras significa que um "i" e um "m" ocupam diferentes quantidades de espaço. Sem o ajuste do kerning, um texto impresso parece horrível. O significado das palavras, embora possa estar relacionado com a forma das letras, é outro assunto. Ainda assim, questões relativas à pura forma visual são inevitáveis, mesmo se houver algo além da obra de arte visual. Tentar ver as pinturas simplesmente como artefatos de significado, ignorando sua visualidade, é algo muito pobre, é seguramente um desastre. As abordagens pós-modernas, é claro, são particularmente desastrosas, pois trazem à frente o significado, e isso bloqueia qualquer outra coisa.

Eu mudei um pouco a maneira como caracterizo este tema. No livro de 2001, The Metaphisics of Beauty, enfatizei propriedades sensoriais, tais como as disposições das cores e dos sons. Agora eu gostaria de enfatizar propriedades sensíveis, vistas de uma certa maneira (ver meu artigo Clouds of Illusion in the Aesthetics of Nature, na revista Philosophical Quartely, de 2013). Penso que toda beleza depende da aparência, do modo como algo se mostra para a visão ou se dá a ouvir. Algumas vezes, outras funções e significados são combinados com as aparências para produzir uma beleza complexa. Mas sem a aparência não há beleza. Nisso, estou em desacordo com o Platão de O Banquete. Não há uma beleza superior à beleza sensível. Gostaria de recomendar o livro Visuality for Architects, de Branko Mitrovic, sobre esse assunto.

Rodrigo Cássio: Qual a relação entre os conceitos de beleza e forma?

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Nick Zangwill: Bem, as palavras e conceitos, aqui, são um tanto maleáveis. Eu prefiro usar "beleza" para uma ideia abrangente do valor estético. Se eu uso o termo "forma", trata-se dos elementos visuais imediatamente disponíveis, que estão no nível mais básico de responsabilidade pela beleza ou fealdade. Aquilo que está disponível imediatamente à visão não inclui e tampouco é informado por fatos como a história do objeto ou a sua relação com distintos objetos. De fato, alguém pode experimentar a aparência de um objeto, mesmo sabendo que ele não é como parece ser.

Rodrigo Cássio: Ultimamente, tem-se a impressão de que a arte contemporânea está se tornando cada vez mais antiformalista. Para vários críticos e curadores, o conteúdo é muito mais importante que a forma, especialmente quando questões políticas estão envolvidas. Por exemplo, a 32a Bienal de São Paulo enfatizou o aquecimento global e a extinção das espécies. Como o formalismo moderado pode contribuir para a crítica contemporânea e as atuais práticas curatoriais?

Nick Zangwill: As artes visuais podem ser mais ou menos formais e mais ou menos significacionais. Eu não sou contra o conteúdo na arte, pois podem existir interessantes combinações de forma e conteúdo. O problema começa quando você tem uma arte política pregadora e didática, do tipo que você provavelmente está descrevendo, e que, em geral, é politicamente superficial e tediosa de se ver. Aí se presume que os artistas tentam vender o seu trabalho vinculando-o a alguma causa política da moda. O radical chique é, com frequência, uma boa estratégia de marketing. Desde Elvis Presley, os empresários inteligentes já tinha entendido que a rebelião pode ser comercializada. O "Efeito Elvis", como poderíamos chamá-lo, pode assumir vida própria, assim como as pessoas internalizam a sua atitude (o que também é conhecido como "falsa consciência").

Quando estas obras superpolitizadas não possuem valores formais interessantes, então você tem um duplo fracasso. Mas algumas delas são, de fato, formalmente interessantes. Elas podem ser belas. Então alguém pode desculpar o conteúdo, do mesmo modo que se desculpa uma ópera com grande música, mas que possui uma história boba. O verdadeiro segredo é combinar forma e conteúdo de maneira convincente. Há muita coisa formalmente interessante na arte contemporânea. Por exemplo, os trabalhos de Anish Kapoor e Cornelia Parker têm beleza formal.

A crítica de arte formalista não deve ter medo de abordar a obra como forma visual, independente do contexto, do conteúdo, da história, das posturas políticas, dos papos pseudointelectuais dos seus vendedores e assim por diante. Todo mundo, na verdade, reconhece as qualidades formais da arte, especialmente os artistas, mas você não espera que falem delas - é como quando levantamos para ir ao banheiro. Fale sobre a forma como crítico, e as pessoas ficarão felizes por ter esse importante aspecto da experiência reconhecido e valorizado.

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Além disso, curadores já levam em consideração a forma quando fazem escolhas entre obras similares com significados similares. O problema é que é difícil falar sobre a forma tão bem como Greenberg fazia. Nós ainda deveríamos tentar, uma vez que isso é realmente importante para quem consome e faz arte.

Rodrigo Cássio: No GEFAT (Grupo de Estudos Forma, Arte e Tecnologia/UFG), estamos interessados em cinema e arte tecnológica. Como você caracterizaria uma abordagem formalista dessas artes?

Nick Zangwill: Formalismo no cinema e na arte tecnológica! Uma interessante questão. Isso não é algo sobre o que eu já tenha escrito ou pensado muito a respeito. Lamento! Mas alguns dos filmes que gosto têm uma dimensão de forma visual: Ida, por exemplo, ou o meu filme favorito, Medea, de Pasolini. Mas haveria aí uma questão sobre como os valores formais estão integrados com a narrativa. Você se importa se eu não disser mais que do isso? Precisaria pensar por um ou dois anos.... Ou talvez o seu grupo, GEFAT, traga-nos alguma coisa! Berys Gaut tem escrito sobre este tema. Eu recomendo seus trabalhos.

Rodrigo Cássio: No Brasil, os comentários sobre os teóricos continentais ainda prevalecem na pesquisa acadêmica em filosofia. Um dos poucos autores analíticos da estética traduzidos no país foi Arthur Danto, e apenas recentemente os livros de Roger Scruton vêm sendo publicados. Autores como Monroe Beardsley ou Frank Sibley são muito raros na maior parte das discussões. Você poderia descrever as contribuições mais importantes para a estética produzidas pela abordagem analítica nas últimas décadas, particularmente sobre o tema do formalismo?

Nick Zangwill: A maior parte da estética no Brasil não é produzida no estilo claro e argumentativo da língua inglesa, e tem sido deixada para o nonsense pós-moderno e o "discurso" político doutrinário de origem francesa e alemã. Isso é uma vergonha, principalmente porque é irrelevante para a experiência com a arte e a criação atuais, a não ser, como observei antes, como publicidade. Vomitar uma nuvem de confusão e de vocabulário difícil raramente é sinal de profundidade, e costuma ser a tentativa de evitar clareza, na esperança de que os ouvintes não o vejam de maneira transparente.

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Fico feliz que as pessoas no Brasil estejam lendo Roger Scruton. Beardsley e Sibley não escreveram para um público amplo, mas são pensadores importantes dos anos 1950 e 1960. Em um exemplo, Sibley se interessou por saber como a elegância da pintura está relacionada aos elementos que a geram (ver o artigo Aesthetic/Nonaesthetic, na Philosophical Review, 1965). Ele argumentou que se trata de um tipo de dependência que não nos permite generalizar para outros casos. Não há regras para a descrição estética. Beardsley discordou, apresentando um número determinado de princípios. O trabalho de Sibley nos permite levantar problemas sobre o formalismo.

A questão é: o que é responsável pela elegância e a beleza? Os elementos responsáveis por ela incluiriam, alguma vez ou sempre, a história ou o contexto do objeto, assim como a sua natureza física e aparência? Se sim, algum tipo de antiformalismo está correto. Se não, o formalismo está correto.

Rodrigo Cássio: Você já viveu no Brasil como professor visitante. Como foi essa experiência para a sua pesquisa?

Nick Zangwill: Eu estive duas vezes no Brasil como professor visitante, uma no Departamento de Música da Universidade de São Paulo, e outra no Departamento de Filosofia da Unicamp. Intelectualmente foi muito estimulante. Apresentei vários trabalhos pelo país, principalmente sobre metafísica e epistemologia da lógica, mas nenhum sobre estética. Em Porto Alegre tive o privilégio de conhecer o grande lógico brasileiro Newton da Costa.

Há boa filosofia no Brasil, mas parece que somente na parte da lógica, da metafísica e da epistemologia, ao passo que as value areas [ética, filosofia política, estética etc.] são deixadas para a tradição continental. Eu acredito que isso vai mudar. Vejo alguma mudança na área de ética, mas não ainda em estética e filosofia política.

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Embora eu tenha inclinação para a chamada filosofia "analítica", eu realmente penso que Nietzsche é interessante (e alguém deve se lembrar de que ele era crítico de várias coisas na Alemanha, em vez de ser mais um na linha dos filósofos pós-kantianos). Fiquei satisfeito ao ver como ele é popular no Brasil, e que você pode comprar seus livros nas máquinas do metrô.

Eu tive um ótimo momento quando estive no Brasil. Tenho um amigo no Rio que me levou a rodas de samba maravilhosas. Aproveitei as caipirinhas e dancei forró. Também viajei para Buenos Aires a fim de conhecer tango e o divino bife de lomo. Eu sonhava em conhecer Brasília, o que finalmente fiz. Eu me lembro de ficar olhando as imagens dos seus prédios quando era criança. Oscar Niemeyer é maravilhoso. Lina Bo Bardi também é impressionante.

Minha piada filosófica sobre o Brasil é que os seus fundadores criaram o lema nacional errado. Eles erraram ao escolher a constante lógica "e", em vez de "se, então". O lema atual diz "Ordem e Progresso", quando deveria dizer "Se Ordem, então Progresso". Eu adoraria voltar ao Brasil para aprender mais sobre este imenso país e sua população diversa, além de participar da sua vida intelectual.

Rodrigo Cássio Oliveira é doutor em Estética e Filosofia da Arte pela UFMG e professor adjunto da Universidade Federal de Goiás. Confira mais ensaios sobre arte, estética e comunicação em www.rodrigocassio.com