EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

'No País, 84% não sabem hoje quem poderia tirá-los da crise'

PUBLICIDADE

Por Sonia Racy
Atualização:

 

RENATO MEIRELLES FOTO: IARA MORSELLI/ESTADÃO  

E Renato Meirelles, do Instituto Locomotiva, acrescenta: dos 16% restantes, a maioria cita o papa Francisco. E 92% acham todos os políticos  corruptos

PUBLICIDADE

A reforma da Previdência está aí. Ela é supernecessária, ressalta Renato Meirelles, do Instituto Locomotiva. Entretanto, "não se tem o mesmo empenho para discutir a empregabilidade das pessoas de mais de 50 anos". Que, muitas vezes, trabalham em empregos que deixarão de existir.

Estudioso experiente das classes C e D, fundador do Data Popular, Meirelles acredita que o brasileiro está numa encruzilhada. "Há uma concentração muito grande da briga 'medo x esperança' e o momento de tensão é paralisante." Os brasileiros hoje, adverte, estão desesperadamente em busca de um caminho que lhes permita voltar a sonhar. A seguir, os principais trechos da entrevista.

As eleições de 2018 estão quase aí. Qual vai ser o comportamento do eleitor, segundo o Instituto Locomotiva? Hoje, 92% dos brasileiros acham que todos os políticos são corruptos. De um lado nós temos a população querendo algo diferente da política tradicional. Do outro, tem a política tradicional tentando a todo custo manter-se no poder. Não há espaço para o novo nos métodos tradicionais da política, em algum momento isso vai estourar. Então, tem manifestações, tem desilusão, tem o crescimento continuo de votos nulos, brancos e abstenções. Esse movimento de desilusão, que aumenta graças à polarização política que se deu na sociedade nos últimos dois anos, faz com que a crença dos governados nos governantes se perca e que se crie um cenário de completa incerteza nas próximas eleições.

A desilusão é tão grande que as pessoas estão até deixando de ir para a rua? As pessoas não vão para a rua porque não veem perspectiva de mudança. Se nada for feito, o que é que nós vamos ter? Um cenário de candidatos indo para o segundo turno com não mais do que 25% dos votos. É uma completa pulverização, um risco inclusive para o sentimento de representação das pessoas. Na última eleição presidencial tivemos o Brasil dividido, mas não em dois. Estava dividido em três: um terço votou na Dilma Rousseff, um terço votou no Aécio Neves e um terço foi de brancos, nulos e abstenções.

Publicidade

O que temos que mudar, para que a política seja diferente? A primeira questão é ter um sistema partidário permeável à novidade. Infelizmente, quem controla a burocracia partidária no Brasil decide quem pode e quem não pode ser candidato. Temos uma tendência grande a novas formas de se manifestar na política. Agora, o que a gente vai ver é que a mudança não pode ser só estética, tem que ser uma mudança de prática, de construções coletivas, numa sociedade que é muito menos verticalizada e coerente do que no passado.

'METADE DAS PESSOASÀ DIREITA QUEREM MAISESTADO NA ECONOMIA'

Menos coerente? Metade das pessoas que defendem partidos de direita acreditam que o Estado deve interferir na economia. A coerência ideológica que se esperava no século 20 não funciona para o eleitor e para o cidadão do século 21. As pessoas vão se organizando de forma horizontal, defendem a bandeira que se associa com determinado grupo. Não é à toa que, por exemplo, o movimento feminista, que historicamente foi ligado à esquerda, hoje tem grande parte da sua militância vindo de mulheres liberais. Por quê? Porque os direitos civis são um ponto de encontro da esquerda com o liberalismo clássico.

E em termos de política, vocês fazem pesquisa? Uma das nossas maiores demandas é análise de cenário. E aí você descobre o óbvio: o consumidor é o mesmo cara que vota. É a dona Maria, o seu João, essas pessoas que estão lá em casa. Então fazemos análise de cenário para entender a cabeça do brasileiro com relação à classe política. E para compreender a relação entre as perspectivas política e econômica. Hoje, 84% dos brasileiros não sabem dizer o nome de ninguém que conseguiria tirar o País da crise. E sabe quem lidera entre os 16% restantes? O papa Francisco.

E em segundo? Aí começam a vir os nomes de políticos tradicionais. O interessante é que quando um argentino é a melhor solução que um brasileiro enxerga pra sair da crise, é porque estamos todos à espera de um milagre.

Publicidade

Por que você mudou do Data Popular para o Locomotiva? Há 10 anos, o Brasil tinha 53 milhões de internautas a menos e 10 milhões de universitários a menos. Essas mudanças foram tão rápidas que levaram a uma montanha russa nas classes econômicas. Hoje, metade das classes A e B está na primeira geração de pessoas com dinheiro na família. Quando começamos a olhar essa realidade, vimos que o bolso dos consumidores não era mais um dos principais vieses de formação do jeito de consumir. Existem fatores como onde essa pessoa nasceu, se acessava ou não a internet, se morava numa cidade com mais ou menos de 200 milhões de habitantes. Isso começou a ficar mais importante do que a renda.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Por que não aplicou essas observações no Data Popular? Vimos que não fazia mais sentido separar os consumidores apenas pela classe econômica, e o Data Popular era especialista em classe C. Eu tenho um vício de caráter de não fazer coisas em que não acredito. Quando a gente viu que olhar para o bolso não explicava mais a cabeça do consumidor brasileiro, um novo desafio se impôs. Abri, com o Carlos Alberto Júlio, e, mais recentemente, com o Marcelo Tas, o Instituto Locomotiva.

Se dois consumidores da mesma classe não têm as mesmas afinidades ou mesmos desejos de consumir, como lidar com isso? O que a gente viu foi um distanciamento entre o capital econômico - ou seja, da grana - e o capital cultural. As referências, a estética, o nível de escolaridade. Os estereótipos relacionados às classes econômicas não funcionam. Dois terços das classes A e B não têm faculdade. E falo de adultos com mais de 25 anos.

Como assim? Imagine o seguinte: 80% das classes A e B nunca viajaram para outro país. Dito de outra maneira, de cada dez pessoas das classes A e B, oito não conhecem nem o Paraguai. Quando falamos das classes A e B, ninguém imagina um pessoa que não fez faculdade...

E como as pessoas se comportam agora? Estamos na era das múltiplas personalidades. As pessoas se organizam para um determinado objetivo. Elas estão naquela classe naquele momento para conquistar algo, e depois elas mudam de classe. Isso se fortaleceu muito com a democratização da internet e os algoritmos fazendo bolhas de comportamento, o que deixou o público cada vez mais homogêneo entre si e heterogêneo entre eles.

Publicidade

O consumidor brasileiro, em geral, é fiel? Ele é fiel sim, mas a duas ou três marcas. É aquela fidelidade que há no Oriente Médio, em que eu posso ter quatro esposas. É quase uma fidelidade poligâmica. Dentro das duas ou três marcas em que ele confia, busca a melhor relação custo-benefício, a que está em oferta naquele momento. Temos estudado como vai ser o comportamento do brasileiro no pós-crise, quais mudanças de comportamento vieram pra ficar quando a crise passar.

'BRASILEIROS ACIMADOS 50 ANOS CONSOMEMMAIS QUE TODA A CLASSE C'

Pode adiantar alguns pontos? O consumidor vai ficar mais maduro. Mesmo quando os salários voltarem a crescer, ele não vai deixar de pesquisar preço. Qual o impacto disso, por exemplo, para marcas premium, que perderam o mercado nos últimos tempos? O consumidor não vai voltar a comprar só porque deu vontade, sem que elas façam alguma inovação.

O consumidor sofreu e amadureceu. É isso? Sim. Perder dói mais do que deixar de ganhar. Uma coisa é o sujeito que adia a primeira viagem de avião, outra coisa é a pessoa que descobriu como é melhor viajar de avião mas tem que voltar para o ônibus.

Vocês fizeram uma pesquisa sobre consumidores brasileiros com mais de 50 anos. O estudo revelou alguma curiosidade? Com ou sem crise, o mercado de brasileiros com mais de 50 anos de idade vai continuar crescendo. Hoje, temos 54 milhões de brasileiros com mais de 50 anos de idade. Vamos chegar a 2045 com 96 milhões de brasileiros com mais de 50 anos de idade. É muita gente. Brasileiros com mais de 50 anos consomem mais do que a classe C, mais do que todas as mulheres brasileiras, mais do que todo o mercado do Nordeste, por exemplo. Consomem R$ 1,6 trilhões por ano, de um total de mais de R$ 3,5 trilhões. Se os brasileiros com mais de 50 anos formassem um País, ele estaria no G-20 d0 consumo mundial. E muita gente esquece simplesmente de olhar para esse público. Nas propagandas de TV, quantas vezes aparecem brasileiros com mais de 50 anos?

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.