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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

'Doutor' Antônio

Por Sonia Racy
Atualização:
 

Depois de mais de dez anos doente, alternando períodos de lucidez e ausência (estes cada vez mais frequentes), doutor Antônio Ermírio de Moraes se uniu a seu José, seu irmão - morto em setembro de 2001. Minutos antes da última entrevista a esta colunista, em março de 2004, lamentou repetidamente a perda. Afinal, foi em dupla, cada um contribuindo com características bem diferenciadas - o 'doutor' e o 'seu' são sinais dessa dicotomia -, que eles tocaram o grupo herdado e o transformaram em um dos maiores conglomerados do País. José e Antônio - com a anuência dos irmãos Ermírio Pereira de Moraes e Maria Helena Scripilliti - decidiu profissionalizar o grupo, tirando da terceira geração, as funções executivas. Assim, foi possível preservar a unidade das empresas sob comando das quatro famílias. Com uma vida inteira dedicada ao trabalho, doutor Antônio não era amigo do lazer. Não gostava de viajar, parte dos móveis de sua casa foi "herdada" de familiares, usava ternos até puírem, não perdia tempo com escolha de carros, não tinha seguranças e nunca pensou em comprar um avião para sua locomoção. A austeridade era praticamente total. Certa vez, contou que, em sua lua-de-mel com dona Maria Regina, 51 anos atrás, passou 33 dias na Europa, visitando... fábricas de alumínio. De uma coisa se lamentava. Queria ter tido mais tempo com os filhos. "Dona Regina é uma heroína, sou grato à sua dedicação", frisou. A seguir, trechos selecionados da longa conversa, em seu escritório na Praça Ramos de Azevedo, há dez anos. Todos bastante atuais.

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Tradicionalmente, no Brasil, os governantes que assumem demoram um tempo para aprender o que é o Executivo. O sr. acha que o PT está aprendendo rapidamente? Governar o Brasil é complicado, mesmo assim tenho a impressão de que precisaria haver mais velocidade. Eu teria menos colaboradores, mas muito mais eficientes.

Se o sr. governasse o Brasil e tivesse de tomar três medidas, quais seriam elas? É uma pergunta muito difícil de se responder, mas, em primeiro lugar, reformularia o ministério. O Brasil é muito difícil de administrar, tem de ter gente da mais alta competência e seriedade. Segundo, é preciso incentivar o emprego. Terceiro, fazer com que os empresários acreditem mais em si.

Acha possível ter incentivo? A regulação ainda está em cima do muro, a infraestrutura está precária, há problemas no meio ambiente. Como incentivar os empresários a pôr seu dinheiro num quadro como esse? É preciso muita coragem para acreditar no Brasil.

Há quem reclame que há muito tempo, no Brasil, não se tem um ministro da Fazenda que conheça produção. Concorda? Quanto tempo exatamente eu realmente não sei, mas faz muito tempo.

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Isso faz a diferença? Nos últimos 50 anos, o mundo cresceu 3,95%. O Brasil ficou para trás, com 1%. O Brasil está indo para trás, definitivamente.

O Brasil perdeu o bonde da educação? Não perdemos, mas estamos andando muito vagarosamente, o que é lamentável, pois educação é um ponto seriíssimo, mais ainda que saúde. Não ter educação é um desastre para o País. Educação é tudo em uma nação. Sem educação não somos nada.

E o que dizer do problema da saúde no Brasil? Não está mal como a educação. Está devagar, mas vai.

Estamos na antevéspera do anúncio de uma política industrial. O senhor acha que, desta vez, ela vai sair? Trabalho há 55 anos e há 55 anos escuto falar de política industrial no Brasil e nunca vi. É mais ou menos cada um por si e Deus por todos.

O que seria uma política industrial que leve de fato ao desenvolvimento? Definição das regras básicas do jogo, sem complicar. E deixar a turma trabalhar.

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Quais seriam as condições para crescer? Do ponto de vista financeiro, o BNDES tem capacidade para atender ao desenvolvimento do Brasil. Agora, mesmo com a TJLP que o BNDES quer diminuir, o investidor tem altos endividamentos com esses juros. Na hora em que a economia der um primeiro solavanco, a coisa não fecha. Excesso de recursos emprestados faz com que, na primeira crise, a firma balance, no caso do Brasil. Lá fora, em países de Primeiro Mundo, isso é possível.

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E a Cofins? A mudança foi malfeita. Na área hospitalar, há um bom exemplo. Antigamente, na Beneficência Portuguesa (Ermírio dirigia o hospital), pagávamos algo como R$ 80 mil de PIS/Cofins. Agora, passou para R$ 160 mil. Isso machuca. O governo faz tudo para aumentar sua receita, pouco se importando se está certo ou errado. Quer ver o dinheiro entrando. Isso não pegou bem, já que significou um novo aumento de carga tributária, apesar de o governo dizer que não iria acontecer. Essa brincadeira deve bater em 38%, 39% do PIB, se não chegar a 40%.

Sempre fomos tachados de 'país do futuro'. Esse futuro vai chegar algum dia? Esta foi uma frase do Stefan Zweig (1881-1942, autor do livro 'Brasil, Um País do Futuro'). A gente vai ficando velho, mas ainda não perdi a esperança, não. Acho que, se o Brasil desenvolver o que tem de bom, temos condições de ser o segundo do mundo. Temos um potencial hídrico maravilhoso, temos uma área agricultável que pode ser triplicada. Agora, do ponto de vista industrial, é mais difícil. Acho que a saída é mesmo pela agricultura. Deus nos deu muita água e muita terra para ser plantada. Então, mãos à obra. A verdade é que o Brasil hoje tem uma safra razoável em matéria de soja e, daqui a mais ou menos dois anos, estaremos passando à frente dos EUA. Já é um progresso, não se pode desanimar. A saída, para mim, é mais pela agricultura, pois requer menos investimento, mais possibilidade de irrigar bem as suas terras e, ao mesmo tempo, depois que você cresce, pode industrializar seus produtos.

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