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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

"ACHO QUE DÁ PARA MEXER SEM DESTRUIR O PRODUTO"

Por Sonia Racy
Atualização:

PAULO GIANDALIA/AE 

Em tempos de redução de custos, Maria Claudia Amaro, da TAM, continua apostando em qualidade de serviços

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Responsável por incluir a TAM entre as grandes empresas de aviação do mundo, o comandante Rolim Amaro é parte da história do setor. E ficaria muito feliz, se ainda estivesse por aqui, com a união da TAM com a LAN. Pudera, amigo da família Cueto, controladora da empresa chilena, foi ele que plantou a semente, lá atrás, para que a associação torna-se realidade. "Mas como relacionamento é coisa que você não herda, começamos esta união do começo", ressalva Maria Claudia Amaro, única filha mulher de Rolim, hoje presidente do conselho da TAM e acionista de peso da Latam Airlines Group. A costura, durante quase dois anos, foi mantida em absoluto sigilo. Deu certo.

A Latam funciona com um modelo de governo corporativo que define compartilhamento conjunto das decisões estratégicas relacionadas com o alinhamento de atividades para todo o grupo. Mauricio Rolim Amaro é o presidente do board da Latam; Enrique Cueto, CEO da Latam; e Ignácio Cueto, CEO da Lan. "Digo que a empresa tem três filhos e uma mãe", brinca.

Em tempos em que o setor aéreo sofre prejuízos, Maria Claudia concedeu essa rara entrevista durante almoço no restaurante Rodeio contando um pouco da sua história - que se mistura com a da empresa. Aqui vão trechos da conversa.

Mesmo com o surgimento da Latam, você continua sendo presidente do Conselho da TAM S/A. Portanto, a única presidente mulher de companhia aérea no mundo. Faz diferença ser mulher nessa área?

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Acho que faz. Primeiro, você é uma das poucas mulheres na maioria dos eventos em que vai. Segundo, você precisa aprender a tentar não brigar com os homens no mesmo nível da disputa masculina e, sim, entrar no universo feminino na troca com eles. Em resumo, você não tenta ser um homem entre os homens. Não, sou uma mulher entre os homens.

Quando você era criança, brincava de aviãozinho, por exemplo?

(risos) Não, eu brincava de boneca. Mas queria ser astronauta, nunca quis ser aeromoça, como muitas das minhas amigas. Meu pai queria, sim, que eu fosse comissária, mas eu nunca quis.

Como foi sua introdução na área de aviação?

Foi aprendendo a andar de bicicleta no pátio de um hangar e trombando no farol de um avião. Quase apanhei do meu pai nesse dia, a minha sorte é que fui salva pelos mecânicos. Na verdade, essa é a minha primeira lembrança na TAM: comecei a querer tirar as rodinhas da bicicleta, ela ficou meio bamba e aí não tive coragem de fazer a curva, fui reto para o avião e acabou quebrando o farol. Eu não me lembro que avião era. Daí para frente a vida da gente foi sempre misturada muito com a vida da empresa.

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Conta mais um pouquinho disso. Onde você estudava?

No primeiro momento, sempre ali em volta mesmo. Nós morávamos perto do Aeroporto de Congonhas.

Então você acordava com barulho de avião e também ia dormir com barulho de avião?

Esse som, para mim, é absolutamente normal, eu já nem me incomodo, passa e eu nem percebo.

Longe disso você tem insônia?

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Não, porque não sofro de insônia. Mas, para mim, era absolutamente normal, nós morávamos bem perto, numa travessa da Pedro Bueno. Eu estudava em escolas da região do Campo Belo, sempre por ali. E me lembro que, quando tinha trabalho para fazer para a escola - eu ainda sou da época da máquina de escrever elétrica -, eu ia para os escritórios e ficava enchendo a paciência das secretárias para elas baterem o trabalho para mim. Eu achava aquilo o máximo, a máquina de escrever elétrica tinha tecla que apagava. De vez em quando, meu pai deixava a gente ir e, às vezes, ficava bravo, porque a gente estava lá atrapalhando as secretárias. Aí, tínhamos de correr dali e ir embora para casa.

Quando você começou a trabalhar na empresa?

Vindo dos Estados Unidos, oficialmente em 1992. Neste ano completei 20 anos de TAM, ganhei minha medalhinha - uma cerimônia que eu adoro. Dou para todos e, neste ano, a festa teve um gosto diferente, porque, além de entregar a medalha para os funcionários de 20 anos, eu recebi a minha das mãos da minha mãe.

Onde você começou?

No serviço de bordo. Antes de voltar para o Brasil, fiz estágio em catering para entender um pouco desse processo de serviço de bordo. Era onde meu pai achava necessário modificar. Estávamos recebendo os quatro primeiros Fokker 100 da frota.

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Que tamanho tinha a empresa?

Em 1992, tínhamos quatro Fokker 100, a empresa era muito pequenininha. Nós não tínhamos sequer um milhão de passageiros por ano. Não havia nem departamento de marketing. Comecei fazendo o serviço de bordo, porque comida, ah, mulher sabe fazer, dá para as meninas fazerem... aí fomos fazer.

Quando vocês decidiram que a TAM ia primar pelo serviço?

Desde sempre. Isso vem desde a fundação, pela origem no táxi aéreo. O táxi aéreo faz com que o piloto tenha uma interação muito próxima com o passageiro, em função do tamanho da cabine do avião. Meu pai, quando começou na TAM, lá atrás, em Marília, era um dos pilotos mais jovens. Como ele não era sênior, não tinha a prioridade na escolha. Descobriu, desde muito cedo, que o único jeito de ter a prioridade e a preferência nos voos era ter a preferência do cliente. Então, o que ele fez? Começou a ficar amigo dos clientes fora do voo. Quando o avião pousava, ele se oferecia para ajudar o cliente fora do avião, fazia mais do que precisava fazer. Através disso, foi descobrindo que o serviço a mais era o que fazia o cliente escolher aquele piloto para seus futuros voos. E isso foi fazendo com que ele percebesse que o futuro dependia do serviço que ele prestava aos clientes.

As empresas no mundo todo estão cortando serviços e barganhando preço. E vocês, ainda estão apostando no serviço?

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Acho que isso precisa ser uma crença. Quando isso não é uma crença, é o lugar mais fácil de cortar ao falar em custos. Eu entendo perfeitamente, porque companhia aérea é um negócio bastante complexo de se gerir, um negócio de margens muito baixas e custos muito altos. Então, quando você fala em custos, o lugar mais fácil de cortar é nos serviços, porque é o lugar que primeiro aparece. Corta comida, corta bebida, porque isso é o mais fácil. É muito mais complexo olhar processo, é muito mais difícil mexer. Eu acredito em serviço, essa é a minha crença pessoal. Acho que dá para mexer e não destruir o produto.

Você acredita que o consumidor reconhece esse esforço?

Acho que sim. Acabamos de ter um exemplo disso. Reduzimos um tripulante nos voos do Airbus 319, negociamos com o sindicato e com as entidades de segurança de voo e tivemos de mexer no serviço de bordo. Mesmo assim, o serviço está sendo elogiado. Inovamos, e o cliente está gostando.

Costumo dizer que aviação é a indústria que reúne todos os percalços empresariais possíveis. Então, por que esse fascínio? Você se sentiu, algum dia, tentada a falar "estou fora"?

Acho até que já pensei. Mas nem passa pela minha cabeça não trabalhar. Nasci com sangue de peão e vou trabalhar até o fim da minha vida.

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Vocês deram um passo gigante. Pensam, agora, em dar outro e se associar a mais alguém?

Somos, hoje, a primeira empresa no mundo em termos de valor. E acabamos de montar uma associação que é um orgulho para a América do Sul, ainda mais nesse segmento. É cedo para falar nos próximos passos.

Você acha que o Brasil está evoluindo na velocidade necessária em termos de infraestrutura para abrigar esse crescimento de transporte de passageiros, que é de 20% ao ano?

O Brasil está evoluindo na questão da infraestrutura e vai resolver isso mais cedo ou mais tarde. Torço para que seja mais cedo.

Qual a sua opinião sobre a modelagem de concessão dos aeroportos brasileiros?

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Eu sempre disse que, não necessariamente, a privatização é a melhor solução. E continuo dizendo isso. O modelo americano, por exemplo, não é um modelo privatizado. Veja bem, eu não defendo que seja e não defendo que não seja alguma coisa. Defendo apenas que seja um modelo mais eficiente para o consumidor. E não falo aqui como empresária somente, falo também como cidadã. Se você traz um modelo no qual o operador é uma companhia privada, ele vai visar o lucro. Se ele vai visar o lucro, vai onerar a operação. Se ele onerar a operação, eu tenho de repassar isso para o bilhete. Essa é uma questão de lógica. A gente tem de buscar um modelo que seja justo para todos.

Olhando para o longo prazo, o que você vê para a Latam, para a TAM e para o Brasil?

Acho que o Brasil vai resolver o problema da sua infraestrutura de um jeito ou de outro. E acho que resolver a infraestrutura é fundamental para o consumidor, para o País, para as empresas aéreas e para o setor.

Nessa união, vocês tiveram de escolher entre chilenos e brasileiros?

Não, não houve enxugamento. Nós estamos contratando funcionários.

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Quanto ganha um piloto chileno e quanto ganha um piloto brasileiro?

O custo no Brasil é muito maior do que o custo no Chile. Para você ter uma ideia, é de 40% a diferença do custo de vida no Chile em comparação com o custo no Brasil.

O que vocês estão pensando em fazer? Porque tiveram um prejuízo gigante...

O segmento todo, o setor inteiro. Nós, hoje, estamos mudando a forma de gerir a TAM. De uma empresa que tinha um olhar único, estamos começando a olhar a TAM dividida por unidades de negócio. Uma unidade de negócio doméstica, uma unidade de negócio internacional, uma unidade de negócio focada na área operacional, que abrange tripulantes, técnicos operacionais, manutenção de aeronaves. Essas áreas são independentes e, com isso, nós passamos a ter alocações de custos e receitas de forma muito apropriada e muito diferente. Não estou dizendo que antes era errado, era apenas outra forma de olhar. Isso começou a fazer com que custos e receitas caíssem e fossem alocados de maneira diferente. É claro que, associada a isso, há uma retração, uma crise no mercado, um problema no crédito brasileiro. Não há dúvida de que o Brasil já não vai crescer a mesma coisa que cresceu no ano passado. Há uma guerrinha tarifária acontecendo neste momento e o mercado está super ofertado.

E o que vocês vão fazer?

O mercado do Brasil cresceu não por meio do aumento da demanda. Cresceu por meio do aumento da oferta. Então, você estimula a oferta, baixa o preço, vem a demanda. Isso é terrível, porque destrói valor em todas as companhias do setor. E esta não é a melhor forma de crescer. Claro que é ótimo ver novos passageiros entrando no avião, é legal demais ver isso. Então, agora, nós temos planos. Mas não vou revelar, olha a concorrência aí.

O que acha que seu pai diria se estivesse hoje por aqui?

Eu acho que ele estaria de acordo com a maneira como nós estamos trabalhando e também muito feliz. Mas o presidente do conselho da Latam seria ele. (risos)

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