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Cultura, comportamento, noite e gente em São Paulo

A luta do homem que quer unir as pessoas

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Por Sonia Racy
Atualização:
  

O antropólogo William Ury conta seu sonho de reaproximar pessoas criando, numa área mergulhada em guerras, o caminho andado pelo profeta Abraão

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A guerra no Iraque e o atentado contra as Torres Gêmeas despertaram no antropólogo americano William Ury um projeto ambicioso: mostrar que o que une as pessoas é muito mais forte do que o que as separa. Inspirado na figura de Abraão, o patriarca das três religiões monoteístas - Judaísmo, Cristianismo e Islamismo - ele criou o Caminho de Abraão, uma rota de 1.200 quilômetros entre Urfa, na Turquia, e Hebron, na Cisjordânia, que atravessa países divididos por inimizades históricas. "Precisamos de projetos que mostrem que somos todos irmãos", explica.

Paisagens deslumbrantes, lugares sagrados, descampados, calor insuportável, nada desanimou este ex-consultor de Bill Clinton, hoje diretor em Harvard, que passou 30 anos estudando conflitos. De cafezinho em cafezinho, Ury conseguiu reunir US$ 700 milhões, em países como Alemanha, EUA e Arábia Saudita. No Brasil, entre outros, teve apoio das famílias Feffer e Schahin. Para promover a ideia, Ury deve estar em São Paulo no domingo que vem, quando sua ONG Caminho de Abraão realiza a segunda edição da Corrida da Amizade.

Como surgiu essa ideia? Em 2003, depois do 11 de Setembro e da Guerra do Iraque, vi que as famílias estavam sendo divididas. E pensei em um projeto que unisse de novo as pessoas. Veio-me a história da jornada de Abraão há 4000 anos. A ideia é retraçar seus passos, a exemplo do que se faz com Santiago de Compostela.

O que espera com isso? Reconectar a família humana. Procurei a história mais poderosa sobre a unidade entre povos - para mim, é a de Abraão. Mas não basta contar uma história, ela precisa ser vivida. Nas aldeias por onde Abraão passou estão vivos os seus valores, de gentileza, amizade e hospitalidade.

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Como você reconstituiu o caminho? Juntei uma equipe em Harvard. Trabalhamos com base no que dizem os moradores com a memória cultural, com a Bíblia e o Alcorão.

O que foi feito até agora? Em 2007 saímos de Harvard com 25 especialistas de 10 países - dois eram brasileiros. Viajamos por duas semanas de ônibus a partir de Ur, cidade natal de Abraão, no Iraque, até Hebron, na Cisjordânia, onde ele foi enterrado. As pessoas diziam: "Você não vai conseguir cruzar a fronteira". Nós conseguimos.

De que maneira o caminho está sendo construído? Descobrimos que não precisamos construir nada. É uma rota ancestral já aberta, nosso trabalho é apenas acordá-la. Nas vilas explicamos o projeto a moradores que nunca antes haviam recebido turistas. Hoje temos guias locais instruídos.

Por onde passa o caminho? Começa em Urfa, ao sul da Turquia, e segue para Haram - que abriga as ruínas onde, segundo a Bíblia, Abraão ouviu a mensagem de Deus para sair de casa e começar sua peregrinação. Passa também por Alepo, na Síria e desce até Damasco, Jerusalém, e Hebron. De carro ou ônibus dá para fazer a viagem em dois meses. Pretendemos incluir na rota Iraque e Egito.

Quando a rota começou a funcionar? Esse é o primeiro ano. Já recebemos mais de 3.000 pessoas - jovens, estudantes e até grupos de escalada só de mulheres. Quem quiser viajar pode entrar no nosso website e escolher uma viagem de um dia, uma semana, ou mais. Pode-se ir de carro, de ônibus - mas, claro, a essência é por os pés no chão e caminhar.

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Que tipo de experiência aguarda os peregrinos? Grande parte da experiência é a hospitalidade. Os visitantes fazem refeições e passam a noite nas vilas. No Oriente Médio, oferecer hospitalidade a um estranho é obrigação sagrada. Entrar na casa e conviver com outros costumes realmente transforma os viajantes.

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Dá para fazer o trajeto a pé? A ideia é fazer as pessoas caminharem. Esperamos que o primeiro trecho de longa distância - de Nablus a Hebron - esteja funcionando até o fim do ano. É uma caminhada de 10 dias. Por enquanto o caminho só existe dentro dos países. Não dá para cruzar as fronteiras porque o momento não é propício para tanto.

Com quem teve que negociar? Com o Hamas e o Fatah, por exemplo. Na Síria, o governo disse que não queria nada que ligasse o país a Israel enquanto este não devolver as colinas de Golan. Damasco decidiu chamar o projeto de Trilha Cultural de Caminhada da Síria. Nós concordamos. Podem chamar do que quiserem.

Qual é a sua religião? Não tenho religião. Sou um humanista. Acredito na família humana, como Abraão.

Por que você resolveu fazer o Caminho de Abraão e não o Caminho de Maomé? Porque há 3,5 bilhões de pessoas cuja origem espiritual remonta a Abraão. O caminho honra Maomé, Jesus e Moisés, filhos espirituais de Abraão.

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Encontrou gente contrária ao projeto? Não diria que há pessoas contra, mas há aqueles que querem testá-lo. O projeto não é político nem religioso e não tem fins lucrativos. Os judeus querem saber se é um caminho árabe. Os árabes querem saber se é um caminho judeu. Não, é um caminho humano. É um caminho para a humanidade.

Por Paula Bonelli

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