'Tá no Ar' avança na acidez do humor

"Mas é realmente necessário lembrar ao público que a festa que a gente promove há décadas é bancada pela contravenção?" Essa seria a pergunta que Marcius Melhem, Marcelo Adnet e Maurício Farias ouviriam, poucos anos atrás, de algum grande diretor da Globo, sobre o clipe que encerrou o episódio de estreia da 2ª temporada do humorístico 'Tá No Ar', nessa quinta-feira. Jamais se viu crítica tão contundente à indústria carnavalesca que sustenta Sapucaí e Anhembi, na tela da Globo, em produção digna de padrão Globo, do figurino e maquiagem à qualidade de áudio. Adnet puxa o samba-enredo 'Amarelo e Cinza', obra superior a muito exemplar desse repertório desfilado por essas plagas. É demais para quem acostumou-se a ver a Globo com um filtro politicamente correto.

PUBLICIDADE

Por Cristina Padiglione
Atualização:

Se o programa foi comparado ao 'TV Pirata' no ano passado, quando surgiu, pode apostar que nem aquele 'TV Pirata' dos primórdios ousou cutucar a própria casa tão de perto. O paralelo vale mais para a paródia de filmes publicitários, quesito que a antiga direção da Globo foi anulando da pauta do velho 'Casseta & Planeta', e agora ressurge, em exemplos revigorados, no 'Tá no Ar'. Teve até o "Cereal Killer", piada com Bruno Gagliasso, que reencarna seu papel da série 'Dupla Identidade' e atira cruelmente no tigre fofo da Kellog's.

PUBLICIDADE

Viva o oxigênio dos novos tempos.

Autocrítica, aliás, abriu e fechou o episódio de estreia desta temporada. Adnet e Melhem pegaram carona no BBB, em cena gravada no quarto do líder, com direito a poema ao modo Pedro Bial, com quem interagiram por meio do monitor da casa dos brothers, como se estivessem no reality show. E não foi necessário qualquer retoque de maquiagem para explicitar a imitação ao mestre de cerimônias do BBB. Bastaram o ritmo e o conteúdo da declamação. "Pode sair daí, vai pra casa descansar, Pedro Bial, porque acabou o BBB". O anúncio se emendou a um quadro que explorou o drama dos ex-BBBs, uma analogia à cracolândia, de candidatos esquecidos pela mídia, após adquirirem o "vício da fama".

De novo, não houve, nem fora da Globo, crítica que expusesse de modo mais eficaz a praga do BBB. E daí? O reality vai se desgastar por isso? Nem de longe. O que os humoristas fazem, com aval da emissora, é honrar o senso de oportunidade: se tanta gente adora odiar o BBB, nada mais rentável do que se valer desse discurso, por meio do humor.

O crítico da Rede Globo, militante nordestino vivido por Adnet, está mais inquieto que nunca. Encarregou-se de bater no esquete que poderia render protestos da militância negra - um comercial do século retrasado que, ao modo Casas Bahia, vendia escravos em ritmo de grande liquidação. "Esse processo de michaeljackzação da TV brasileira... " "Por que Escrava Isaura era branca? Pra que Lucélia, se nós tínhamos Zezé Motta?" Numa segunda aparição, o crítico militante misturou FHC, Bill Clinton, Mujica e William Waack na mesma panela, ao falar sobre o "cigarrinho" que fumam lá pelas bandas de Jacarepaguá, não por acaso, onde está o Projac. Como de praxe, ele surge na tela nervoso, num vídeo caseiro, cheio de chuviscos, como se impusesse um recado pirata, e nunca consegue concluir o que quer dizer.

Publicidade

Quando se pensa que o programa acabou, vem o ponto mais alto, o tal samba-enredo. Afinado e afiado, Adnet endossa a capacidade, da qual tanto duvidaram quando veio da MTV, de fazer bom uso de seu cérebro na estrutura monumental do Projac.

Diz a letra do samba: "Veio da esquina, do dinheiro da contravenção / Qual foi o bicho que deu / Explode caça-níquel de emoção / Um grito se espalha pelo ar, num enredo patrocinado / Close na bunda e replay pra disfarçar / Que o dinheiro não foi declarado / E o tráfico de armas vai bancando o abre alas / E o carro dos felinos vem do bingo clandestino (...) E a comissão de frente é pura purpurina e pó / Nosso patrono não veio por motivos de força maior / Alô, Bangu 3 (...) / Deixou no lugar o seu primo, laranja que segura o B.O. / E o Rio, de preços divinais, superfatura nossos carnavais / E a pseudocelebridade, fazendo juras de amor à comunidade / Festa da hipocrisia / Camarote lado a lado / O político e o bicheiro /celebrando abraçados / Tem quizumba na bunfunfa, mulata fenomenal, incentivando o turismo sexual (...)"

É o que há.

Confira o clipe do sambão.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.