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Quem matou Max se vai. "Avenida Brasil" fica

Por Cristina Padiglione
Atualização:

A essa altura, o enigma "quem matou Max" (Marcello Novaes) é só aquela azeitona normalmente descartada da pizza. Tanto faz. A plateia se ocupa agora é da indignação, da incredulidade sobre o falso bonzinho Santiago (Juca de Oliveira). Afinal, onde esteve este monstro durante todos esses anos? Onde está a fortuna herdada da mulher assassinada? Por que Nilo (José de Abreu), sabendo que Lucinda (Vera Holtz) era inocente, jamais se pronunciou a respeito? Foi comprado? Quando? Como, se vivia mendigando trocados a Carminha (Adriana Esteves), Max e Nina (Débora Falabella)?

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Brincar de detetive em novela é um exercício de entretenimento, eis a graça do negócio. Se a vida real já não preza muito pela coerência, embora calçada em alguma lógica, por que folhetim deveria ter resposta para tudo? Por que o público deveria estar a par de tudo? Já não lhe basta o privilégio de assistir e saber o que todo mundo pensa e omite sobre o outro?

Avenida Brasil se despede nesta sexta não com recordes extraordinários de audiência, ou nã com essa audiência linear mensurada pelo Ibope pelo televisor. Nesse aspecto, novela das 9 já teve muito mais público registrado pelo Ibope, mas isso foi em um tempo em que as redes sociais não estavam aqui para testemunhar até onde vai a ocupação da plateia com as questões levantadas pelo enredo. Da conversa na padaria e no escritório, o "debate" sobre mocinhos e vilões se estendeu a fóruns públicos, graças à expansão da web, multiplicando opiniões, pontos de vista, soluções e piadas em torno do script. Quem jamais pensou em convidar outros autores, atores, políticos e jornalistas para ver novela em casa, hoje divide o sofá até com o Nilo (José de Abreu), compulsivo tuiteiro, e sabe do que se ocupa o agora vereador Andrea Matarazzo quando zapeia das eleições para a mansão do Tufão. Estão todos juntos no plano virtual, o que torna essa audiência um fenômeno de recordes, sim, e de um repertório de que antes não se tinha conhecimento. Avenida Brasil levou para a tela a celebração de um subúrbio que nunca foi alvo de tamanho orgulho para a classe ascendente.

Diferentemente da classe C que já era C há algumas gerações, essa turma que pulou de um extrato para o outro não está deslumbrada com o castelo de Caras, não quer ver os filhos estudando na escola da classe AB dos bairros nobres, não quer apartamento na Vieira Souto ou plantado sobre o Shopping Cidade Jardim.

Salve o Divino!

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Como na vida fora da tela, Avenida Brasil se permitiu abrir a cena para que todos falassem ao mesmo tempo, sem privar o espectador de compreender a conversa. Que negócio era aquele de jogral, onde cada um esperava sua vez para falar?

Salve dona Amora Mautner, diretora responsável por alcançar um resultado artesanal em um trabalho que demanda ritmo industrial. Com um elenco daqueles, seria mais cômodo fazer o feijão com arroz, cilada de que ela escapou com louvor. Vamos sentir saudade especialmente de Leleco, Carminha, Suellen, Roni, Diógenes, Tufão, Darkson, Silas, Zezé, Janaína, Monalisa, Cadinho, Olenka, Adauto, Muricy e até do Nilo e sua risadinha, um dos tantos cacos trazidos pelo elenco e incorporados ao texto. Veja a diferença que faz um autor disposto a abraçar sugestões dos atores no seu texto. Houve uma vez em que um outro autor, anos atrás, sentindo-se desrespeitado no posto de grande criador, matou o personagem só porque seu intérprete resolveu emprestar algum humor ao script.

Salve o João Emanuel, que não trata como mero discurso a máxima de que televisão é trabalho em equipe.

Vamos ao que interessa: Avenida Brasil fez a plateia pensar, instigou a imaginação, a criação, a contestação, a crítica, a leitura, sem apelar para o lugar comum dos merchandisings sociais. Não ofereceu comidinha mastigada e recados diretos, didatismo que subestima a plateia, a quem fez questão de contrariar, vez ou outra.

Daí porque 'quem matou Max', a essa altura, é o de menos. Isso será revelado em mais dois dias, e pelo menos seis desfechos serão gravados para prezar o suspense. Já o sucesso do Divino e da narrativa desta Avenida Brasil, amém, aí ficarão para  futuras e bem-vindas referências.

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