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Discriminação e perseguição a roqueiros em pleno século XXI

Marcelo Moreira

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Por Redação
Atualização:

As revistas especializadas em heavy metal e classic rock brasileiras de vez em quando trazem cartas de leitores narrando situações de discriminação por gostarem de rock pesado, usarem cabelos compridos ou camisas pretas. Na maioria esmagadora dos casos, são moradores de cidades do interior de Estados, rincões do país longe das capitais - locais onde predomina a baixa escolaridade, a mentalidade tacanha, o coronelismo político e aperniciosa e odiosa influência da Igreja Católica.

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E não é que tal situação ocorre em pleno 2011 em São Paulo, a maior cidade do Brasil e sua capital cultural, ao menos em relação ao volume de eventos e opções oferecidas? E pior, em uma escola particular da zona oeste, região de alto poder aquisitivo e, presume-se, com maior incidência de pessoas com boa formação educacional - ou pelo menos acima da média?

Erick é um garoto de 18 anos que cursa o ensino médio em uma pequena cidade do interior do Paraná. Amante do rock, toca violão e está aprendendo guitarra, mas é visto como um extraterrestre em sua própria casa - imagine então no resto da cidade (evitarei citar o nome inteiro do garoto e o nome da cidade para que não haja mais ataques).

Seu cabelo nem é tão comprido assim e usa de vez em quando camisetas pretas com estampas do Iron Maiden e do Metallica. Em carta a uma revista especializada enviada no ano passado, contou que quando tinha 15 anos era xingado pelos colegas de escola e que era impedido de jogar futebol nos times de várzea da cidade.

Nunca foi agredido, mas era vítima constante de gozações e brincadeiras de péssimo gosto. Também era menosprezado pelos professores e ignorado por atendentes de lojas e botecos quando queria comprar alguma coisa. Na zona oeste de São Paulo, Pedro (nome fictício) estuda em um colégio caro no bairro de Pinheiros. Tem 13 anos e é filho de um publicitário que toca baixo em uma banda que faz versões para clássicos do rock.

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 Foto: Estadão

Autodidata, com alguma ajuda do pai, aprendeu quase sozinho tocar guitarra, baixo e teclado. É fissurado em Dream Theater, Deep Purple, Black Sabbath, Metallica e Grand Funk Railroad.

Incentivado pelo pai, tem cabelo preto liso comprido, usa capa de caderno com a estampa do boneco Eddie, do Iron Maiden, e abusa das calças jeans e das camisetas brancas e pretas lisas, bem simples - a escola permite. Para completar, mesmo com o jeito desencanado e despojado, é um dos melhores da classe e sua menor nota é 8, em matemática.

Ou seja, é demais para a mediocridade que reina naquele mundinho: é roqueiro, toca bem vários instrumentos, tem personalidade, é inteligente (ou CDF, como queiram) e não liga para o bullying que sofre. Sempre isolado no recreio, conta apenas com a amizade de uma menina dois anos mais velha e igualmente roqueira.

Vítima preferida da burrice dominante naquele ambiente, era zoado, sofria gozações e sempre foi preterido das brincadeiras e dos esportes, tudo isso com a deliberada omissão de "professores" igualmente medíocres, que nunca engoliram a "independência" do garoto.

Até então Pedro sempre tirou de letra toda essa situação chata, mas na semana retrasada a coisa mudou. Um grupinho de moleques que sempre zoou o garoto desta vez se sentiu ofendido com uma resposta engraçadinha que Pedro deu, provocando gargalhadas generalizadas na cantina.

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Enfurecidos, três do grupo cercaram o menino, que era menor do que os agressores, e foi espancado por cerca de um minuto. Chutes, socos e xingamentos de "bicha", "roqueiro de merda", "delinquente" e "aberração", fora os palavrões. O que os três não esperavam é que Pedro, apesar de um pouco machucado, se desvencilhou dos agressores e, encostado ao balcão da cantina, pegou uma bandeja de aço inox e se defendeu: acerto com a quina a cabeça de um dos agressores. Este caiu, atordoado, e tomou mais duas pancadas, caindo desacordado.

 Foto: Estadão

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Os outros dois avançaram, mas um deles foi atingido de forma certeira na boca. Caiu de costas, com a boca sangrando e sem três dentes da frente. O terceiro agressor mudou de ideia e fugiu.

Calmamente Pedro devolveu a bandeja ao atendente e foi à enfermaria em busca de curativos para as escoriações que sofreu, ignorando os dois agressores caídos - a primeira "vítima" de Pedro teve de ser hospitalizada. Chegou desacordado e passou na Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

Apesar do número imenso de testemunhas, todas favoráveis a Pedro, a escola deve expulsá-lo e nem ao menos vai advertir os agressores.

Uma coordenadora pedagógica, indigna do cargo que ocupa, disse aos pais de Pedro "que já era esperado que ele cometesse algo do tipo, já que era um desajustado", insinuando que ele era delinquente, apesar de nada constar em seu histórico na escola que pudesse ao menos dar algum indício disso.

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A escola, apesar de demonstrar um perfil liberal na propaganda, nunca escondeu que as regras impostas eram conservadoras. Mas teve de recuar na intenção de expulsar Pedro diante de um protesto de cerca de 200 alunos na entrada do prédio principal, reunindo até mesmo gente que não gosta e despreza o garoto agredido.

 Foto: Estadão

Muitos foram espontaneamente à delegacia de polícia responsável pelo bairro para depor a favor de Pedro, no boletim de ocorrência aberto pelo pai do garoto. O tio de Pedro é advogado em um importante escritório de advocacia de São Paulo e entrou com ação contra a escola dois dias depois da agressão. Pretende pedir um valor alto como indenização por danos morais.

Estamos no século XXI, mas são cada vez mais frequentes as manifestações racistas em estádios de futebol na Europa e no Brasil, assim como manifestações homofóbicas em jogos de vôlei, agressões a homossexuais na região da avenida Paulista e perseguição a roqueiros em colégios de classe média alta na capital paulista.

Ser diferente e ter personalidade são coisas perigosas no mundo de hoje, principalmente quando a pessoa se destaca de forma gritante da mediocridade geral da sociedade e protesta contra a praga nojenta do senso comum e do politicamente correto.

Ninguém precisa gostar do que ou de quem quer que seja - ou mesmo a aderir. Basta apenas respeitar. Para uma parcela enorme da sociedade brasileira,  gostar de rock e ser ateu, por exemplo, são crimes que precisam combatidos. Quem pensa deste jeito será igualmente combatido e repelido, com Slayer e Motorhead como trilha sonora de fundo.

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 Foto: Estadão
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