Sob um peso de contraste aterrador, o que Nietzsche vomitou no Anticristo não é fácil de digerir, sua denúncia ao rombo cultural/social deixado pelo legado cristão/católico ultrapassa as páginas do livro. O que é tão real no Brasil.
Mas Nietzsche morreu e sua única revolução está nas palavras. O que não é pouca coisa. Assim, não deve ser fácil adentrar o terreno das religiões do livro que formaram culturas e forjaram a história. Há mais força contrária do que a favor.
Mesmo assim, Antideus, em cartaz no Centro Cultural São Paulo, parece acreditar no contrário mas aposta na mesma retórica: convencer pela palavra.
Não é possível saber a quem a peça quer salvar: a encenação ou o texto. De um lado, o texto é carregado de certezas, já a encenação procura maquiar com a despretensão dos atores a força da palavra anteriormente construída. Sobra desperdício de um e de outro sem função reconhecida. Alguém está sendo levado em conta?
A fricção de texto e elenco surge, então, artificial, reafirmada o tempo todo por essa despretensão formalista que só cria aderência nos primeiros minutos. Tudo porque não há sutilezas que permitam o exercício de desconfianças e dúvidas por parte do público.
Acompanhada pelo desgaste de uma conversa que gira em todo de fetiche hétero por cu, a peça é salva pelas performances musicais, principalmente nas cenas de Lineker.
Curiosamente, as cenas que não utilizam palavras oferecem mais respiro e fruição. O homem que empilha tijolos, a televisão ligada no final e o homem no cobertor dispõem de chances de redimir um texto que caberia muito bem em duas dimensões.