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Resenhas de espetáculos, livros e novidades do palco

Qual a cor da anarquia de 'Terra em Transe', da Cia. Bará?

Leandro Nunes

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Por Leandro Nunes
Atualização:

Dizer que uma obra é atual é o mesmo que dizer que ela é urgente? A urgência pode ser denominada como aquela força transtemporal capaz de atravessar portais para agarrar conteúdos presentes no passado e arrastá-los até as vistas da contemporaneidade? Essa questão pode ser respondida quando o tal conteúdo habitante do passado é percebido como miscível na realidade vigente.

No entanto, por vezes, essa força urgente não é tão forte assim, tamanha a facilidade no trânsito temporal. São aqueles momentos nos quais o tempo se mostra dobrável encaixando suas arestas. Um modo menos desgastante e mais possível de viajar no tempo, como Albert Einstein já pensou. Acredito aí, pela luz da ciência, haver dois modos - dobrando o tempo ou voltando atrás - de acessar o passado de obras fundantes de uma cultura, como é Terra em Transe, de Glauber Rocha.

 Foto: Estadão

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Ao adentrar na sala do Teatro Maria Della Costa, a Cia. Bará encontra um universo paulistano pertencente a momentos históricos de inauguração, estreias, precariedade, fechamentos e reinaugurações - o teatro estreou com a história de Joana D'Arc em O Canto da Cotovia. O retorno parece encontrar correspondência dobrável entre os tempos. Se no início da montagem dirigida por Diego Gonzalez, o Poeta testa caber seu lirismo nas alcunhas da política .Mais tarde ele descobre na anarquia seu espaço natural. Face ao antigo jogo da polarização, as construções vão ganhando contornos acentuados, nos quais saltam para os limites dos arquétipos corruptos mas não corrompidos.

No palco, o Transe ganha interferência nos diálogos criando vias e instaurando camadas, como o soldado que marcha após o discurso do poeta e seu antagonista. O som da marcha executado ao vivo, concebe um xadrez ideológico, encampando peças visualmente identificadas. Em outro instante, o compartilhamento do cigarro compete na fundação de uma comunhão, elemento caro ao teatro. Por outro lado, a observação interna da montagem ativa uma força que impõe à bandeira da arte um hibridismo ideológico. Entretanto, a força que arvora o mastro não é garantia de que ela seja vista.

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